Ana Karla Farias
Quando regresso ao lugar da infância lembro-me das luzes amarelas do parque de diversão O algodão doce e a maçã açucarada guardavam o sabor das minhas memórias afetivas Algumas, eu perdi quando cresci Hoje as vejo como fotografias pixeladas fragmentos de lembranças que me esforço para organizar feito estilhaços de um mosaico No parque de diversão perdi o laço que ornamentava meu cabelo Não sei por que guardei essa lembrança de algo pequeno, minucioso, desimportante Na minha imaginação pueril confabulava que objetos perdidos comporiam, em algum lugar, do espaço-tempo, um cemitério de vestígios de vida de modo que acessá-los seria inventariar rastros de histórias esquecidas Bishop perdeu o relógio, três casas, duas cidades lindas, um império, dois rios e um continente Eu também tenho colecionado vazios de coisas que perdi Na mudança para o novo endereço perdi umas fotografias, documentos, um disco dois livros Só me dei conta dias depois Doeu-me mais esquecer: o cheiro do mar aquela gota oceânica arrepiando as costas, o timbre da sua voz que eu tanto gostava de ouvir A quem devo pedir no departamento de achados e perdidos para reviver singular felicidade de ouvir meu nome na sua voz? Entre as ruínas em céu aberto de uma casa antiga lembrei-me de que também perdi uma cidade que amava aquela por onde caminhávamos de mãos dadas para comprar pão.