Alberto Andrade
Sombras verticais
Sábado à tarde, o sol descansa os olhos
e os boêmios inda acordam lentamente.
Apenas uma folhinha vai, dengosa,
nos ventos desta rua sem cristais.
Da praça irrompem sombras verticais
e as árvores são freiras em silêncio.
Os postes são guris envergonhados
e a luz parece não servir ao tempo.
Penumbra
A penumbra não mais me traz milagres:
nenhum vampiro voa sem ser visto,
as luzes do galpão se aposentaram
e o silêncio não canta sem seus grilos.
Abril
Abril é um gato à tarde ouvindo o sol
indiferente à flor ou neve, esquece
de ciclos, círculos, jangadas ou jornadas
como um vaso chinês, somente para
e em sua completude, ouve a dança
imóvel da primeira esfera, crisma
e para... para... cada vez mais lento...
Abril é descascar as horas do rosário
até que o vinho corra pelo vento.
Manhã após primeira missa do Advento
Era o primeiro dia do fim dos tempos.
Igrejas e jardins já se rendiam
ao séquito sutil das violetas
incertas se perfumam morte ou vinda.
O Tempo, carinhoso, prosseguia.
Subjugava-nos com o riso novo
das velhas amizades: um poeta,
um padre, um doente, um casal
a cantar sobre o inverno e seus milagres
(enquanto isso, serenamente o céu
uivava em águas, como que a anunciar
o começo da guerra que antecede ao Rei).
Era o primeiro dia do novo tempo.