Bárbara Mançanares
sobre os mortos todas as palavras
sobre os mortos as fontes e os círios
e ainda os muros em devoção à noite
a face laminada de uma ave fronteiriça
e as flores os pés silenciosos sobre ruas sem nome
sobre mármores e escorpiões
os pés silenciosos sobre a terra lacerada de vento e história
como são as crianças os livros as mãos vazias de certezas
e as bocas aninhadas em medo tempo e ausência
mas também na grafia de um novo idioma
um idioma que precede a topografia de um país
não fosse a espessura da pergunta
calcária
(como as conchas que não guardamos)
não fosse a voz
marítima
(como um nome em uma canoa)
por certo haveríamos de amar o chão
seu cansaço enfurecido
como fazem os raios e os presságios
a caligrafia das serpentes
costuramos a fúria ao acaso
e chamamos isso
equivocadamente
amor
nossos olhos de marfim
brancos e opacos
diante da noite incansável
nossos corpos de marfim
brancos e opacos
diante do silêncio do fogo
nossos dentes de marfim
brancos e opacos
diante do nome impronunciável de deus
guardo no poema as raízes
a fundura do copo
a forma como você lê a sorte em uma xícara
e passa o café quando tudo ainda dorme
guardo as mãos em conchas
a temperatura das águas
os pés ressequidos de infância e barro
guardo ainda a textura imaginada das nuvens
um bilhete esquecido na agenda
as moedas nos vãos dos paralelepípedos
os animais feitos de luz e sombra na opacidade das paredes
guardo o meu nome e o seu como fundamento
de uma linguagem
um poema dentro de um poema