Uma praça para a literatura brasileira

Regina Dalcastagnè

Projeto coloca no ar um mapeamento crítico do romance contemporâneo brasileiro

A literatura brasileira contemporânea é abrigo para a memória, mas também é um lugar de esquecimento, e não me refiro apenas às ausências que podemos constatar em seu interior. Nas últimas décadas, vimos escritores e escritoras que passaram 40, 50, 60 anos pensando e construindo novas maneiras de dizer as desigualdades, as violências, os sonhos e a alegria deste país serem abandonados nas estantes das bibliotecas.

O mesmo vai acontecer com muitos dos nomes que fazem algum sucesso hoje. Aos poucos, as obras vão deixando de ser lidas, seja porque não são reeditadas, seja porque o volume de novas publicações lança uma sombra sobre elas, seja porque o esquecimento é uma marca dominante na cultura nacional. O que não significa que esses livros e autores/as não tenham ainda muito a nos dizer sobre o Brasil e a dialogar com o que vem sendo produzido mais recentemente.

É, também, como resistência a esse processo que estamos disponibilizando, a partir de hoje [19 de maio de 2025], um novo espaço para a literatura brasileira contemporânea – o site Praça Clóvis. Nesta primeira etapa, reunimos resenhas críticas de 230 romances representativos de diferentes estilos, temas e regiões do país, incluindo obras dos anos 1970 aos dias de hoje. Em um segundo momento, que começa agora, vamos ampliar o levantamento e incluir outros gêneros literários, como a poesia, o teatro, os contos, as memórias e o romance reportagem, além de entrevistas com autores e discussões sobre o mercado editorial e a recepção da literatura brasileira no exterior.

O nome do portal busca marcar um espaço de circulação e convivência de ideias – um espaço público, aberto às diferenças, propício aos encontros. Ao mesmo tempo, ele rende uma homenagem à cultura popular brasileira, a partir da canção com o mesmo título do grande Paulo Vanzolini.

É um projeto acadêmico, nascido no âmbito do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, sediado na Universidade de Brasília e com integrantes de diversas instituições do país e do exterior. Um projeto que entende a importância de nossa literatura e que toma uma posição crítica e política diante dela, propondo uma espécie de mapeamento que envolve uma percepção ampla sobre o que é, quem faz e onde se faz literatura no país.

Mas, além disso, é um projeto colaborativo, que contou, até agora, com a participação de mais de 300 pessoas, espalhadas por todo o Brasil e também por vários países do exterior. São professores de literatura, pesquisadores, estudantes, jornalistas, escritores, tradutores, revisores, leitores experientes, artistas de diferentes gerações. Essa variedade de perspectivas garante um olhar original sobre essa produção.

A proposta não é produzir uma enciclopédia com ambição de abarcar toda a produção do período, mas atuar na seleção e reflexão sobre nossa literatura. Buscando escapar das falhas que notamos nos dados dos levantamentos anteriores, sobre o romance, estabelecemos uma série de critérios para a seleção dos livros.

Um deles é a representatividade das obras dentro de determinadas correntes estilísticas, temáticas e mesmo políticas. Outro, é o critério que envolve a representatividade regional, de períodos e de autoria.

Por uma série de indicadores, sabemos que a literatura brasileira está muito concentrada no Sudeste – em especial, no Rio de Janeiro e em São Paulo. A pesquisa tem a preocupação de reduzir este efeito, abrangendo obras importantes das diferentes regiões e unidades da federação.

Também pretendemos observar um equilíbrio entre os diferentes períodos de publicação, evitando, por exemplo, um volume maior de resenhas sobre livros publicados nos últimos anos.

E, em relação à autoria, está sendo dada uma atenção especial à produção de grupos minorizados, que costumam ter menor espaço de divulgação, como os negros, indígenas, LGBTs, moradores de periferia.

Um critério adicional é a repercussão dos livros escolhidos junto a críticos, leitores e outros produtores literários.

Não são critérios infalíveis, é claro. Mas não pretendemos criar um corpus canônico para a narrativa brasileira contemporânea, apenas abrir caminho para uma sistematização possível.

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