Um girassol, apenas

Vincent van Gogh, Arles, Janeiro de 1889, óleo sobre tela. ©Van Gogh Museum, Amsterdam (Vincent van Gogh Foundation)

Rhuan Garcia

So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.

                                                    Soneto XVIII de William Shakespeare

Ela subia a ladeira devagar. Já gasta de tanto andar, suas pernas começavam a doer. De longe, pôde ver um homem. Sentado em um banco próximo a uma árvore. Por todos os lados, onde quer que a vista repousasse, o sol brilhava. A folhagem das altas arvores produziam raras sombras para se proteger do calor. O cair da tarde estava próximo, e despontava no ambiente os primeiros vestígios do tom de luz de sangue e ouro.

Esse homem a esperava pacientemente. Jovem, magro, cabelos crescidos e uma barba por fazer, vestindo uma simples camisa e calça jeans, despontou um imenso sorriso no rosto quando a viu se aproximando.

“Que bom que veio, flor do dia”.

Era assim que ele a chamava. Ângela o olhou com o semblante fechado, mesmo que em seu íntimo estivesse feliz em vê-lo.

“Por que me fez andar até aqui? Esse lugar tão alto. Tive que descer do Uber lá embaixo, ele não conseguiria vir até aqui. Olha os meus sapatos! Todos sujos de lama e ainda são novos”.

Lúcio riu maliciosamente; no fundo sabia que aquela atitude era só provocação. Percebeu que aquela mulher não mudara nada, mesmo depois de tanto tempo afastados.

“Você veio muito elegante. Não precisava de tanto, uma roupa mais esportiva iria cair bem. Ou será que esse capricho todo foi só pra me ver?”

“Não fica se achando. Sabe que eu não gosto de vestir calça legging, já te disse mil vezes. E que ideia foi essa de ter um encontro num lugar desses?”

Enquanto olhava o ambiente ao redor, de um jeito calmo e ingênuo, o rapaz lhe disse:

“Conheço bem essa cidade. Daqui dá pra ver toda a Guanabara. Vamos andar e vou te mostrar a vista mais linda que o Rio pode oferecer. Melhor que o Pão de açúcar ou o Cristo, tenho certeza!”

A moça continuou o encarando séria, mas logo em seguida caiu em risada, tentando se conter para não o constranger.

“Mostrar a vista? Lúcio, Lúcio… Meu Deus! Fica me implorando um último encontro e me atormentando durante dias. Não aguento e cedo aos seus pedidos de bom grado, venho de longe, atravesso a ponte, diz “só mais uma vez, só mais uma”, tudo isso pra ver a vista?”, perguntou ela, enquanto vasculhava na bolsa seus óculos. “Qual o nome desse lugar mesmo? Não consigo ver o nome dessa distância”. Vestiu os óculos. A primeira coisa nítida que pôde ver foi Lúcio apontando para a placa e dizendo “Chamam de Morro da Viração. Descobriram esse lugar há uns anos, e desde então as pessoas começaram a fazer trilhas, excursões, passeios. Até que a prefeitura decidiu construir um parque ambiental e se tornou isso que está vendo. E Por falar em ver…”  Em seguida, tomou-a pelo braço:

“Ah, Ângela… Você está linda! Vejo que comprou óculos novos. Nunca entendi a razão deles serem seu motivo de vergonha.  Gosto de ver você usando, realça seus olhos. Penso agora que toda a sua beleza resida nos seus olhos. Assim escuros, oblíquos”.

O toque repentino em seu corpo e as últimas frases que proferira a fizeram abrandar a voz e acalmá-la. Sentiu saudade daquele afeto fingido e ao mesmo tempo sincero.

“Você e suas ideias. E agora? O que a gente vai fazer?”

Lúcio sugeriu que caminhassem pelo parque. Ao entrarem, via-se que o mato rasteiro dominava tudo, veredas se cruzavam dando caminho a quem passava pelo bosque iluminado por alguns postes que encontravam. Percebiam certo movimento: alguns quiosques abertos; um ou outro casal de enamorados, alheios ao mundo real por influência dos beijos e abraços; idosos sentados em bancos mal pintados e tão velhos quanto eles; crianças brincando de roda, pendurando-se por entre grades, jogando os mais variados jogos na mais plena liberdade.

A única coisa que se podia ouvir eram os passos de ambos, ressoando em sonora sincronicidade. Ângela olhava ao redor, acolhida nos braços do jovem, obediente e se deixando conduzir, mostrando curiosidade por uma ou outra coisa que observava. Lúcio, aproveitando a abertura, percebeu que já estava na hora de romper a monotonia:

“Você fez bem em vir”.

“Aqui é imenso mesmo, heim. Tão grande que dá pra se perder”.

“Não tenta mudar de assunto, por favor”. Lúcio levou seu braço até a cintura de Ângela, o que a fez se afastar moderadamente. Ele fingiu não perceber e tentou continuar a conversa.

“Depois podíamos tomar alguma coisa num bar próximo daqui”.

“A minha condição para vir aqui foi bem clara, Lúcio. Seria nosso último encontro. O término foi bem doloroso pra nós dois e decidimos que iriamos acabar isso como amigos e nada mais além disso”.

“Mas eu me lembrei desse lugar justamente porque achei que seria bem tranquilo para nós repensarmos tudo com calma”, disse ele, prosseguindo para o pátio principal, abrindo o portão gradeado. O velho som de metal enferrujado ecoou por alguns segundos enquanto Lúcio continuava a falar: “senti saudade de você durante esse tempo todo, não é possível que não tenha sentido o mesmo”.

“Posso até ter sentido. Mas não quero começar tudo outra vez, onde ambos saímos magoados! Não insiste nisso, por favor. Não faz mais essas brincadeiras”.

Calaram-se por algum tempo. Lúcio não queria levar a conversa até aquele assunto. Isso o irritava. Tirando as mãos da cintura dela, voltou a lhe acariciar os braços. Ficou sério por um momento, fazendo seus olhos formarem rugas, deixando-os ligeiramente apertados. Sua expressão se aprofundou em uma breve melancolia. Mas isso durou um instante quase imperceptível. Logo sorriu e as rugas desapareceram, sua fisionomia se acalmou e sua face voltou a ficar tão aberta e agradável como antes.

“Me prometeu dar um fim de tarde digno de despedida”.

“É, mas acho que fiz mal. Não pretendo me arriscar mais”.

Com o calor que fazia, o clima ficava abafado, e, à medida que caminhavam, começavam a transpirar. Avistaram ao longe uma pequena sorveteria. Lúcio insistia em pagar pelos dois, Ângela se recusava; então, depois de alguns minutos em discussão, decidiram dividir a conta. Enquanto caminhavam, ambos saboreavam seus respectivos sorvetes – ela, precisamente, mais do que ele. Lúcio retardou o passo. Queria vê-la a distância. Sua opinião mudou desde o começo do passeio. Ângela havia mudado, sim. Pôde perceber quando a tomou pela cintura. Chegou a se assustar um pouco com a reação de incômodo que ela sentiu. Era como se estivesse carregando uma boneca de vitrine, não sabia o que fazer com ela. Estava vazia. Leve. Tão leve que poderia sair voando por aquele jardim, pela cidade. Só o coração dela pesava. “De onde vinha esse peso?”, ele se perguntava. “Das lembranças?” Pior do que a ausência do amor é a memória do amor. A voz dela também mudara: era como se viesse do fundo de uma caverna fria. Sem saída. Se ao menos ela pudesse lhe transmitir esse distanciamento, aceitaria de bom grado. Sem piedade. Sem rancor.

Acabada a degustação, continuaram caminhando, e Ângela julgara que era necessário voltar com a conversa, dessa vez de forma mais afetuosa e conciliadora:

“Sabe, Lúcio, apesar de tudo, me pego às vezes tendo saudade daquele tempo. Que tempos aqueles. Quando penso, queria que durasse mais… imagina! Um ano, dois, quem sabe”.

Ela se aconchegou mais a ele. Bocejou.

“Muito bem! Mas agora vamos embora que já me diverti muito. Faz tempo que não me divirto tanto. Só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim”. Deu-lhe um rápido beijo na face. “Chega, Lúcio, quero ir embora”.

“Calma! Ainda não o viu o melhor daqui. Estamos quase lá”.

“Mas este parque não acaba mais, já andamos quilômetros”. Olhou para trás, por cima do ombro, para ver o quanto tinham percorrido. “Nunca andei tanto, vou ficar exausta quando chegar em casa”.

“Então o tempo te deixou preguiçosa? Que triste”, brincou ele, impelindo-a para frente. “Dobrando este caminho, podemos ver o precipício que dá fama ao lugar. É de lá que se vê o pôr do sol. Vai ver a bonita vista que te falei no começo da tarde. Sabe, Ângela, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com a minha namorada de infância, uma vizinha, filha da amiga de minha mãe. Tínhamos doze anos. Todos os domingos minha mãe nos trazia pra cá. Eu e a menina ficávamos por aí, só de mãos dadas, caminhando por toda essa colina”.

“Que fofo! Por que nunca me contou isso?… Não conhecia esse seu lado. E o que aconteceu entre vocês depois?”

“A mãe dela, que era divorciada, arranjou outro homem. Um tempo depois, tiveram que se mudar por causa do trabalho que o seu novo padrasto arranjou, lá por São Paulo. Prometemos um ao outro que nos falaríamos e manteríamos contato. Mandávamos mensagens constantemente um para o outro, todos os dias. Gastava horas só falando com ela. Mas com o tempo as conversas foram ficando cada vez mais curtas, monossilábicas, na mesma medida nós dois fomos perdendo o desejo de continuar, e a nossa comunicação foi se extinguindo naturalmente…”

“E nunca mais soube dela?”

“Espera eu terminar… Um tempo depois soube por um parente dela que ela tinha sofrido um acidente de carro. Morreu quando completou dezesseis anos. Me mostrou a foto dela em sua festa de aniversário um dia antes da sua morte. Não era propriamente bonita como me lembrava, mas tinha uns olhos… Eram assim, negros como os seus, parecidos com os seus, onde toda a beleza reside apenas nessa parte do rosto”.

“Nossa… Que triste, Lúcio. Vocês se amaram?”

“Ela me amou. Foi a única criatura que…” Fez um gesto descontraído. “Enfim, não tem importância”.

Ângela tirou os óculos, colocou-os de volta na bolsa.

“Eu gostei de você, Lúcio”.

“E eu te amei. E te amo ainda. Percebe a diferença?”

Um pássaro sobrevoou-os por entre as árvores e rompeu a monotonia com seu canto. Ela estremeceu.

“Falta muito?”

“Já chegamos. Aqui está a vista que te prometi”.

Do final do pátio, andaram por uma leve elevação que se inclinava a cada passo que davam. Chegaram a um pequeno precipício. Não havia proteção por barras de aço, nem sequer pequenas pilastras para proteger o visitante de uma possível queda. O rapaz foi guiando-a, aproximando-se da beira.

Por fim, Ângela entendeu o que Lúcio tentara descrever em palavras. A vista realmente era linda. Voltou a usar os óculos, só para ver com mais atenção. A tarde descia calma e radiosa. Fundiam-se no ar tons delicados de azul e rosa, e a glória da despedida luminosa da tarde enchia tudo. Sobre ela cintilava os penhascos, as colinas verdes. O famoso panorama carioca, sem nunca banalizar, surgia para ela mais formoso, florindo no sorriso das ilhas verdejantes que avistava sobre a baía. Tudo parecia ficar de repente parado, num recolhimento quieto e grave, olhando a partida do sol que afundava lentamente no mar.

O dois pararam diante do horizonte e ali ficaram, sem palavras ou gestos, apenas olhando. Era tão alto que ela apertou a mão dele para que a segurasse no chão, a vertigem despertou em seu espírito um certo medo de altura. Medo de tombar, despencar, ruir em migalhas.

Ignorando o panorama que se encontrava à sua frente, ele ficou olhando para os sapatos enegrecidos da jovem. Subiu o olhar até a sua saia florida, suja e pesada de poeira que acumulara na caminhada. Sob a camiseta de algodão transparente, os pequeninos bicos dos seios pareciam friorentos. E não estava frio. Estava começando a escurecer. Já se podia ver que a cidade se iluminara. Ele pensou: “qual era a Ângela verdadeira, essa ou a outra? A que jurou amá-lo na terra, no mar, no braseiro, na neve, debaixo da ponte, na cama de ouro”.

“Você mentiu, Ângela”.

“Quando? Quando foi que eu menti?”

Desviou o olhar desinteressado enquanto ela queria continuar o assunto.

“Eu achei que poderia continuar de onde paramos depois de muito tempo. Que eu poderia abandonar o passado e até mesmo o presente e nunca mais olhar pra trás. Mas não consigo, talvez no fundo até não queira, mas precisa respeitar minha decisão”.

“Se não consegue abandoná-lo, por que aceitou esse convite pra vir até aqui?”

“Para acabar com isso de uma vez por todas. Vou embora. Nunca mais vai precisar me ver de novo, tá?”

Com a chegada da noite, uma forte ventania atingiu a colina. Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz.

“Vamos, Lúcio, vamos”.

“Você está com medo”.

“Claro que não, estou é com frio. Vamos descer e ir embora”.

Ele não respondeu de pronto. Não se conformava em acabar daquele jeito, queria ganhar tempo para aproveitar o que sabia que seria suas últimas horas com ela. Adiantou-se um pouco no passo e se pôs à frente dela.

“Espera”, disse de súbito. “Antes quero te mostrar mais uma última coisa”.

“Mais? Preciso ir. Está ficando tarde”.

“A garota que eu te falei mais cedo, lembra?… O nome dela era Olívia. Um dia antes de se mudar, viemos aqui como de costume. Uma última caminhada. Perto da região havia uma floricultura, fomos até a loja e compramos várias sementes de girassol. Suas flores favoritas eram girassóis. Quando chegamos aqui em cima, plantamos essas sementes num jardim afastado, e ela me fez prometer que eu viria toda semana cuidar, regar as sementes até germinarem e crescerem, e, quando voltasse, queria ver elas majestosas, amarelas e reluzentes como próprio sol. Só assim – dizia – saberia que eu a amava. Era uma espécie de prova de amor, eu acho. E durante algumas semanas eu realmente cumpri com o meu dever. Ia religiosamente ao jardim, desempenhando a minha amadora função de botânico. Só que à medida em que fui me esquecendo dela, também me esqueci dos girassóis”.

“E o que eu tenho a ver com isso?”

“Em princípio, nada. Mas não vou lá há muitos anos e recentemente venho pensando muito na Olívia e percebi o quanto eu fui meio ingrato por nunca ter revisitado aquele lugar. Não poderia nem ao menos me fazer companhia indo até o jardim?”

“É lá embaixo?”

“Lúcio confirmou e Ângela aceitou o pedido comovido do rapaz”.

Desceram até o pátio principal do parque, desceram as escadas e a ladeira e andaram por um longo e sinuoso caminho de terra. Pararam diante de um pequeno jardim onde se podia ver uma estufa, coberta de alto a baixo por uma trepadeira selvagem, que a envolvia num abraço de cipós e folhas. A estreita porta rangeu quando ele a abriu. A luz invadiu o local, fazendo notar as paredes enegrecidas e rachadas. Na parede lateral, à direita, avistaram uma portinhola de ferro dando acesso para um quintal.

Ela entrou na ponta dos pés, evitando tocar naqueles restos de passado.

“Nunca mais ninguém esteve aqui? Esse lugar tá abandonado”.

“Gostaria de encontrar aqui tudo limpinho, né? Flores nos vasos, sinais de dedicação. Mas acho que o que mais fazia a gente gostar desse lugar era esse abandono, essa solidão. Aqui as pontes com outro mundo eram cortadas e por um breve momento só restava nós”.

Ângela adiantou-se e espiou através das barras de ferro enferrujadas da portinhola. A semiobscuridade a impedia de observar o que tinha além daquele limiar.

Lúcio tocou-a no ombro e a afastou para abrir a portinhola. Abriu sem ruído. Eles entraram e a porta fechou-se de novo, silenciosamente. A luz era inacessível. Acendeu a lanterna do celular que carregava no bolso. Inclinou-se para encontrar os vestígios da terra onde plantara as sementes, esforçando em rememorar as lembranças da infância.

“Que frio faz aqui. E que escuro, não estou enxergando nada!”

Ela também tirou de sua bolsa o celular e acionou a lanterna.

“Agora dá pra ver muito bem”.

“Pode ser, mas está tudo tão acabado que mal se percebe que aqui havia um jardim”.

Antes de pedir para ir embora, Ângela não deixou de sentir um perfume estranho desde que chegara. Aproximou-se do cheiro, alumiou em direção para a extremidade do jardim. Ficou um instante imóvel. “Lúcio! Eu…”

Um baque metálico lhe decepou a palavra pelo meio. A surpresa foi tanta que deixou seu celular cair. Lúcio olhou ao redor. Viu Ângela inclinada na outra ponta da área. Foi até lá rapidamente temendo que algo grave tivesse acontecido. Antes de alcançá-la, veio dizendo: “o que houve?” Ouviu-se um murmúrio de choro e soluços. “Ângela, o que houve?”, perguntou mais uma vez, assustado, estendendo seu braço e a tocando pelo ombro. Seu rosto estava em lágrimas.

“Eu achei!”, disse novamente.

O acompanhante inesperadamente reconheceu o solo onde fizera a promessa de anos atrás. A terra jazia infértil. Moscas pairavam sobre restos de adubos estragados pelo tempo e ervas daninhas interrompiam a mais mínima chance de plantio. Por esse motivo, é justo dizer que foi um milagre Lúcio e Ângela estarem defronte a um girassol perfeitamente saudável. Com o caule robusto, altivo, folhas ovais, opostas e de um amarelo vivo. De todas as várias sementes postas para semear, um girassol, apenas, cresceu e permaneceu em pé, orgulhoso e perene diante daquela terra arrasada.

Ângela continuava em seu pranto silencioso. “Não consegue ver?”, perguntou.

“O quê?”

“Uma vez li em um livro uma citação que dizia: ‘quando vem a morte, acaba o amor, sopra o vento e a gente vira outra coisa’. A Olívia virou um girassol, Lúcio! Não consegue ver?”

Ele sorriu e por um breve momento refletiu naquelas palavras. “Você e seu sentimentalismo. Ainda chora à toa… Continua lendo romances? Por isso fica assim toda frágil”.

Ela limpou a saia e os dedos sujos de poeira. Molemente se recostou no corpo do jovem. Ele a enlaçou. Os cabelos lhe caiam em abandono pela cara, mas através do cabelo se podia ver o céu.

Fez o mesmo Lúcio, erguendo a sua cabeça, expondo a face que se banhou na luz do céu estrelado sem lua.

“Quando você morrer e o nosso amor acabar, o que vai querer virar?”, perguntou Ângela.

“Sei lá. Não quero é voltar a ser gente, teria que voltar a conviver com as pessoas e as pessoas…” Ele murmurou. “Queria ser um pássaro e simplesmente voar por aí. Livre. Na verdade, ‘livre’ não é a palavra correta. Mas sim sendo um prisioneiro. Prisioneiro de um infinito azul”.

“Nunca me teria como companheira, nunca. Gosto de mel, acho que quero ser borboleta. É fácil a vida de uma borboleta?”

“É curta”.

O vento soprou forte. Todos os rumores dos matos, das águas, dos animais noturnos, diluíam-se na noite. O dois ainda ali permaneceram admirando por mais alguns minutos o girassol. Depois disso, despediram-se, sem saber ao certo se iriam se ver outra vez.

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