Lucas Perito
A vida não
A vida não. Equidistante porque forjada na memória. Diuturnamente o corpo não porque as casas ainda grávidas de passado alinham-se agora e toda esquina dobra antigos rostos, ingrávidos, no seu deslizar por dias gastos. A vida não, porque roída pelas margens. O corpo não, porque mapa da desorientação em busca do invisível. Toda noite é um ventre e os dias caem entre; E é sempre hoje com essa memória de casa, essa memória de mãe e essa memória menor: memória de roupa, memória de doce, memória do toque; e é sempre hoje, como a serpente com o corpo todo na boca e a polia que já não traz novidade. Agora que os cachorros latem o dia, o cotidiano toma de assalto os desenhos do mundo, a rua adentra a casa e na frente passa uma linha contínua que parte de lugar nenhum. Sobra apenas um eco banal: “quem pode encarar o futuro esvaziado de passado”?
O apaixonado
Esse desentendimento nada mais é que a tua capacidade de me entender e ao mesmo tempo não me entender. E isso, por motivos diversos e distantes da lógica. Por mais que eu espere que estabeleçamos algum tipo de comércio nesse meio tempo, falamos de duas ausências, como dois astros apagados, separados dessa vida e de outra não menos triste. Enquanto uns caminham sem intenção a morte acaba de vestir mais um dia. Como me sobra tempo, falo de uma outra ausência, agora um ritual sobre astros e planetas, pois não há poema mais belo do que aquele que começa na terra e termina no espaço.
Gestos
Esses são aqueles gestos impossíveis que tanto dizem e por isso imperdoáveis. Com punhos cerrados ganham a sorte de cada dia e cheiram uma memória desvinculada do que ocorre. Já a voz necessita de eco para fincar seu lugar no espaço e a visão vaga sem repetição para sua existência. Então, o ouvido, que não se agarra a nada, vira túnel contínuo entre as coisas e seu verdadeiro sentido; e assim vão desordenando o mundo.