(Tradução de Miguel Forlin)
O homem e a mulher andavam desde as quatro da manhã. O tempo, decomposto em uma asfixiante calma de tormenta, tornava ainda mais pesado o vapor nitroso do estuário. Por fim, a chuva caiu, e, durante uma hora, o casal, encharcado até os ossos, avançou obstinadamente.
A chuva parou. O homem e a mulher se olharam então com angustiante desesperança.
“Tem forças para andar um pouco mais?”, ele perguntou. “Talvez nós os alcancemos…”
A mulher, lívida e com olheiras profundas, sacudiu a cabeça.
“Vamos”, respondeu, prosseguindo no caminho.
Mas, depois de um tempo, deteve-se, amparando-se firmemente em um galho. O homem, que caminhava à frente, voltou-se ao ouvir o gemido.
“Não consigo mais!…”, ela murmurou com a boca torcida e molhada de suor. “Ai, meu Deus!…”
O homem, após olhar amplamente ao seu redor, convenceu-se de que nada podia fazer. A sua mulher estava grávida. Então, sem saber onde punha os pés, alucinado por excessiva fatalidade, cortou ramos, estendeu-os sobre o chão e deitou sua mulher em cima deles. Sentou-se junto a ela, colocando a cabeça da mulher sobre suas pernas.
Passou um quarto de hora em silêncio. Logo depois, a mulher estremeceu profundamente, e, em seguida, foi necessária toda a força maciça do homem para conter aquele corpo que se projetava violentamente para todos os lados por causa da eclampsia.
Passado o ataque, ele ficou ainda mais um tempo sobre a sua mulher, cujos braços segurava na terra com os joelhos. Por fim, levantou-se, deu alguns passos hesitantes, um soco na própria testa e voltou a colocar sobre as suas pernas a cabeça de sua mulher, agora mergulhada em sono profundo.
Houve um outro ataque de eclampsia, do qual a mulher se livrou, mais inerte. Depois de um tempo, teve outro, mas, quando este acabou, a vida também acabou.
O homem o percebeu quando ainda estava sobre o corpo da mulher, empregando todas as suas forças para conter as convulsões. Ficou apavorado, os olhos fixos na espuma que borbulhava na boca, cujas bolhas de sangue se reuniam na cavidade negra.
Sem saber o que estava fazendo, tocou o queixo dela com o dedo.
“Carlota!”, disse com uma voz que não era a sua e que não tinha entonação alguma. O som da sua voz o trouxe de volta a si, e, levantando-se, olhou para todos os lados com olhos perdidos.
“É muita fatalidade”, murmurou.
“É muita fatalidade”, murmurou outra vez, esforçando-se, no entanto, para entender o que havia acontecido. Vinham da Europa, não havia dúvida; e lá haviam deixado o primogênito de dois anos de idade. Sua mulher estava grávida e iam para Makallé com outros colegas… Ficaram para trás e sozinhos porque ela não conseguia caminhar bem… E, em más condições, talvez, talvez ela pudesse ficar em perigo.
E bruscamente se voltou, olhando enlouquecido:
“Morta, ali!…”
Sentou-se novamente e, colocando mais uma vez a cabeça morta de sua mulher sobre as coxas, pensou durante quatro horas no que faria. Não chegou a nenhuma conclusão, mas, caindo a tarde, carregou a sua mulher nos ombros e se colocou no caminho de volta.
Contornavam outra vez o estuário. O gramado se estendia infinitamente na noite prateada, imóvel e cheia de zumbidos de mosquitos. O homem, com o pescoço dobrado, caminhou no mesmo passo até que a mulher morta caiu bruscamente das suas costas. Por um instante, ficou de pé, rígido, e desmoronou depois dela.
Quando despertou, o sol queimava. Comeu frutos de costela-de-adão, embora desejasse algo mais nutritivo, já que, antes de poder depositar o cadáver de sua mulher em terra sagrada, alguns dias ainda se passariam.
Colocou outra vez o cadáver nos ombros, mas as suas forças diminuíam. Cingindo-a com lianas entretecidas, fez um fardo com o corpo e assim caminhou com menos fadiga.
Por três dias, descansando, seguindo novamente, sob o céu branco de calor, devorado à noite pelos insetos, o homem caminhou e caminhou, sonambulizado de fome, envenenado por miasmas cadavéricos ― toda a sua missão concentrada em uma ideia única e obstinada: arrancar do país hostil e selvagem o corpo adorado de sua mulher.
Na manhã do quarto dia se viu obrigado a parar e apenas de tarde pôde continuar seu caminho. Porém, quando o sol se pôs, um profundo calafrio percorreu os nervos exaustos do homem, e deitando o corpo morto no chão, sentou-se ao seu lado.
A noite já havia caído, e o zumbido monótono dos mosquitos atulhava o ar solitário. O homem podia senti-los tecer sua pungente rede sobre o seu rosto; mas, do fundo da sua medula gélida, sentia os calafrios aumentarem sem cessar.
A lua ocre minguante finalmente havia surgido por detrás do estuário. A palha alta e rígida brilhava até os confins em um fúnebre mar amarelento. A febre perniciosa, agora, subia com toda pressa.
O homem lançou um olhar à horrível massa maciada que jazia ao seu lado e, pondo as mãos sobre os joelhos, mirou fixamente à frente o estuário venenoso, em cujas lonjuras o delírio desenhava uma aldeia da Silésia, à qual ele e sua mulher, Carlota Phoening, regressavam felizes e ricos para buscar seu adorado primogênito.
- Tradução publicada originalmente na revista online Mallarmagens.
- Texto original: “Los Inmigrantes”