Quatro poemas

Kara Walker, "Segunda esposa de Lot" (2020)

Jo Melo

Sede de tudo

Eu quero ser amada por inteiro,
completa,
cada parte,
desejada,
endeusada,
em cada segundo do meu dia.

Ter atenção só pra mim,
como uma vadia egoísta
que merece amor por inteiro,
desejada a cada segundo,
depois de cada olhar.

Exagerado como o amor de Cazuza,
jogado aos meus pés.

Eu sou herdeira e filha de Reis,
por que deveria ser diferente?



O que ninguém vê

Quem diz que a maternidade
é um mar de rosas,
não precisa cozinhar,
lavar roupa,
cuidar da casa,
levar e buscar na escola,
nas terapias,
levar ao médico
e ouvir dos outros
o quanto você é fracassada como mãe.

Quem diz que a maternidade
é um mar de rosas
é porque tem rede de apoio de sobra,
não precisa lidar com tudo sozinha
e tem o pai sendo pai.

Quem diz que a maternidade
é um mar de rosas
é porque o filho ainda não chegou
na adolescência,
diz que quer morrer,
te odeia,
não quer ficar perto
e até tem vergonha de você.
E está sujeito a todos os tipos
de transtornos alimentares,
sociais e de conduta.

Quem diz que a maternidade
é um mar de rosas
ainda não precisa tomar cuidado
com drogas,
abuso sexual,
más influências
e transtornos de desenvolvimento.

Quem diz que a maternidade
é um mar de rosas,
não vive a maternidade real.



Distância e diferença

Eu sinto que,
quando estou longe,
é a hora que você se diverte,
se sente livre,
como se viver comigo
fosse algo difícil,
mesmo que me ame.



Dose

Como um devorador de almas,
busco incansavelmente
mais uma dose
daquilo que me faz bem.
Alimento-me furiosamente
de risadas e alegrias momentâneas,
na ânsia de que aquilo me caiba.

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