Nietzsche, o filósofo que sepultou a deusa Atena

Nietzsche e sua mãe

Djalma Augusto

Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um dos maiores filósofos do século XIX e seus livros são lidos em todo o mundo. Quase em todas as revistas científicas e livros de história, sociologia, filosofia e literatura, Nietzsche de alguma forma é citado. Seus aforismos complementam hermenêuticas e tecidos epistemológicos. O próprio filósofo, nascido na Alemanha, dizia e escrevia que o filósofo não é dono da verdade e apresentava um certo melindre com os historiadores por explicarem o seu tempo e o passado somente do ponto de vista histórico, o devir histórico, um excesso de historicismo, exceto pelo historiador cultural Jacob Burckhardt (1818-1897), amigo de longa data.

Nietzsche não foi um filósofo cartesiano; racionalizou a filosofia como se não fosse um homem do seu tempo, um homem inteiramente apolíneo. O pensador alemão foi moldado pelo sistema e com profundas raízes tortas na sua família. Odiava incondicionalmente a sua irmã, Elizabeth Förster-Nietzsche, e a sua mãe, Franziska Nietzsche; por esta última nutria um profundo desprezo, segundo a filósofa brasileira Scarlett Marton em seu livro Nietzsche e as mulheres: figuras, imagens e tipos femininos.

O niilismo schopenhaueriano de Nietzsche sobre a moral enfraqueceu diante da sua moral diante das mulheres. Nietzsche defendia o patriarcalismo e desdenhava da capacidade intelectual das mulheres. Para ele, as mulheres deveriam exercer duas únicas funções: cuidar do marido e procriar. Não por acaso, Nietzsche evidenciou uma verdadeira ojeriza ao filósofo Jean-Jacques Rousseau e à Declaração dos direitos do homem e do cidadão, pois a ideia iluminista rousseauniana atendia às mulheres por ser universal e não limitada. Mulheres amancebadas eram o estágio natural devido à mediocridade da mulher, segundo o filósofo.

A Europa passava por uma mutação relevante, fruto da revolução industrial, formação de Estados modernos e solidificação da burguesia urbana. A ambivalência e a teoria apologética de Nietzsche era somente a reprodução do pensamento “moderno”. Não vou entrar no mérito da psique, pois não é o tema do meu ensaio e exigiria um esquadrinhamento freudiano-junguiano sobre Nietzsche e o seu conflito com as suas irmã e mãe. Nietzsche criticava abertamente o dogmatismo quando as mulheres reivindicavam os mesmos direitos dos homens nas ações feministas. Na mente de Nietzsche, o feminismo é a tentativa de a mulher pensar com “virilidade”, tentar pensar por si própria e romper com o padrão “natural” da submissão, e a sua feminilidade era uma voz ativa ao invés de se calar. Não por acaso, criticava abertamente o filósofo e economista britânico John Stuart Mill (1806-1873) por ter sido um defensor dos direitos das mulheres.

Nietzsche era ateu; no entanto, defendia ações dogmáticas, assim como as do cristianismo, sobre o silêncio das mulheres na igreja católica e na família nuclear, impedida de se expressar principalmente sobre política e filosofia, temas, segundo o pensador alemão, exclusivamente masculinos. Certa vez, o polímata italiano Umberto Eco fez uma pergunta retórica. O que creem os que não creem? Não satisfeito, argumentou um entendimento sobre as mulheres escritoras, intelectuais, definindo-as a décadence da modernidade. Três escritoras francesas conceituadas na literatura francesa eram personae non gratae para o filósofo: Madame Roland, Madame de Staël e o Monsieur George Sand, pseudônimo de uma escritora temerosa com a sua integridade física e social. A classificação de Nietzsche sobre elas em seus aforismos é incongruente com a retórica da moral. Escreveu sobre George Sand: “a vaca leiteira com belo estilo”, e conclui:

[…] e com que autocomplacência ela podia expor-se, essa fecunda vaca leiteira das letras, que tinha em si algo de alemão no pior sentido, assim como Rousseau, seu mestre, e que, em todo caso, só foi possível com a decadência do gosto francês.

A cultura patriarcal e a misoginia são abomináveis nas sociedades civilizadas no nosso tempo, mas, no século XIX, era senso comum. Na percepção de Nietzsche, as mulheres poderiam comprometer a sociedade, a própria modernidade e toda a sua linha de pensamento darwinista. Isso se encontra em seus livros Humano, demasiado humano, Ecce homo, Gaia ciência e Além do bem e do mal. Nietzsche sepultou a deusa Atena, símbolo da sabedoria, conhecimento, inteligência, artes e guerra. Como defensor do humanismo e do iluminismo em um tempo de obscurantismo atual, escrevo que as mulheres são plurais e não serviçais; alcançaram os seus direitos, apesar da resistência no machismo estrutural, ainda no final do primeiro quartel do século XXI.

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