Daniela Falcão
Acharam de bom tom finalizar os estudos xamânicos numa Tenda do Suor. Se você nunca participou de uma, sugiro que siga na ignorância. Mas eu estava lá me esforçando tanto para alcançar o inalcançável que fui impelida a, mais uma vez, experimentar algo novo.
No dia escolhido fomos para um sítio afastado e tivemos que construir a tenda. O que quer dizer: cobrir uma estrutura arredondada com cobertores e lonas. Sabe um forno de pizza? É isso.
Éramos oito mulheres – seis aprendizes e duas organizadoras que se comportavam como generais. Os cobertores grossos faziam com que o trabalho de firmá-los com alfinetes de segurança fosse quase impossível, mas as duas continuavam berrando “não é assim! Prendam direito!” Diversas vezes me encolhi esperando por um cascudo que nunca veio.
Esse trabalho nos tomou algumas horas, e já quase em seu final dei pela falta de duas meninas. Descobri logo que haviam sido designadas para outro serviço: eram as mulheres do fogo. O que quer dizer: empilhar as madeiras sobre pedras que já haviam sido posicionadas numa clareira diante da abertura da tenda.
Terminamos por volta das duas da tarde. Então acenderam a fogueira e nos alinharam diante dela. Fomos instruídas a saudar o fogo e entrar na tenda, e assim fizemos, uma depois da outra, nos arrastando de cócoras pela abertura. Me senti novamente criança, brincando com lençóis estendidos sobre os móveis como um esconderijo particular.
Sentamo-nos em círculo e aguardamos. Em pouco tempo veio a general número um passando algumas orientações, finalizando com um enigmático “se não conseguirem respirar, vão para a terra”. Inocente que sou fiquei animada para descobrir o que ela queria dizer. Tentei distinguir o rosto das demais na penumbra e me surpreendi ao ver a general número dois no meio delas. Era uma de nós, afinal. Número um saiu, e seguimos aguardando.
A eternidade passaria mais rápido.
Ainda tentava organizar a ansiedade quando muita coisa aconteceu: número um se abaixou diante da abertura equilibrando uma pedra fumegante sobre dois galhos. Número dois sacou o seu hashi improvisado e posicionou a pedra num buraco que havia no centro do espaço – e eu nem tinha visto. Número um entrou e pediu espaço para mais uma pessoa. Alguém entrou na sequência e abaixou a lona sobre a abertura, nos deixando no breu. Quem havia entrado? Alguém abriu a lona e passou um balde com água. Nesse átimo vi um homem enorme, sentado ao lado da pseudoporta, e já enfiando uma cuia dentro desse balde. A lona foi abaixada no exato momento em que ele jogou a água na pedra.
Não posso descrever a quantidade de palavrões que segurei nos dentes nesse instante.
O vapor que subia era insuportável. Não bastasse isso, o homem grande começou a entoar sons guturais que vibravam no meu peito. Reconheci o mantra e tentei acompanhá-lo, mas as pernas amoleciam e eu nem sabia onde estavam os meus braços. Intenso, até que alguém abriu a lona e um pouco de luz entrou. Fiz menção de me movimentar naquela direção, mas número dois berrou avisando que ali a sensação era pior, era por onde o vapor saía. O homem grande voltou com outra pedra. Pensei “filho da pu…”, mas já veio a cuia d´água e o breu e o mantra e dessa vez eu não sentia as coxas e os pulsos.
Não sei dizer se era a minha pressão despencando ou o calor subindo, mas na quinta vez que esse processo aconteceu, senti que me deitava. A terra era tão firme e conhecida que me aconcheguei de lado. Eis a epifania: ao encostar o nariz no chão fresco, consegui respirar. “Ir pra terra, ah tá”.
Saímos de lá da mesma forma que entramos, pedindo permissão e arrastando os joelhos pela passagem. O homem grande entornou um balde d´água sobre a cabeça de cada uma que saía, dizendo que simulava um parto. A água estava gelada – ou eu estava fervendo, quem sabe?
Muitas horas depois eu estava de volta à minha casa, tentando desincrustar o barro que ficou atrás da orelha e dentro do umbigo. Pensava seriamente em como havia sobrevivido àquela experiência.
A juventude é mesmo destemida.