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Poemas

"A revolta" () por Honoré Daumier.
The Phillips Collection, Washington DC.

Ana Maria Oliveira

Conexão ecológica

Germinam nas profundezas associações biológicas
Que aguardam a luz do dia para a florestação multicolor
Perante pigmentações intermitentes em tempos bélicos
Traçando penúrias nos edifícios em abatimento
Com os animais à solta decepados
Em direção ao poço da incompreensão humana
Que aniquila a sua condição criando fossas de cadáveres
Provocando a fuga de inocentes desterrados 

As mutações acontecem na visibilidade das tragédias
Nas depressões anunciando suicídios
Nos atos tresloucados sem amanhã
Quando os pais chorosos ficam sem os filhos
Procurando-os pelas cidades em ruínas de forma vã

Predatismo é o prato do dia servido de múltiplas maneiras
A espécie predadora aguarda o festival de gastronomia
Para saciar a fome do chorume poluente das lixeiras em decomposição
E os carcinogénicos minam as veias das crias por nascer
Num tufão de sobrevivência das espécies em asfixia

Explodem sismologias vulcânicas sobre estéticas em putrescência
Germina o grito zoonte em dúbio inquilinismo 
Criando veredas ocultas de proteção e sustentáculo
Geram-se vias rápidas de associação e socorro
Desenham-se laços e nós cegos em interesseiro mutualismo

O poder do fogo

A forma e o volume fazem divertidas associações desenvoltas
Iludindo o mundo animal alentador de utopias
Os gases soltam fibras de estrangulamentos em agonias
Acumulando pontos negros dentro da visibilidade comum
Traiçoeiros volteiam nos espaços contíguos 
Amarrados pelas estéticas dos engodos
Originando panoramas aguerridos de asfixias

Os fluidos deslizam até às profundezas dos poços
Realizando orgias de abraços camaleónicos
Adquirindo as formas do parceiro devoluto
Introduzem-se entre as cantarias arquitetónicas dos pilares
Pedregulhos talhados na estabilidade do eterno
Peso gravitacional embalado no equilíbrio das oscilações lunares

A acidez e alcalinidade deslizam nas papilas gustativas dos humanos
Exploradores de catalisadores aguardando a reação em cadeia
Em oxidações rasteiras minadas pelas poeiras
Aguardam a destilação dos monstros
A evaporação dos homicidas a tempo inteiro
A queda do ditador em alívio dos inocentes 
A condensação dos genocídios
A revolta das crianças perante a separação e dor
Enfrentando o poder do fogo na loucura dos presídios

Os canais a descoberto do totalitarismo

Germina a céu aberto a congeminação solitária
Perante a prova da desesperança hasteada na insulação
Perpetrada pela falta de encadeamentos excitantes
Onde se escondem a segregação
A impotência e eliminação

O meu cansaço é injetado pelo processo vital
De luta contra planos de acomodamento ao mal
Energia corrupta que se instala no medo 
Na ignorância abafada do servilismo
Fecundante de catástrofes genocidas
E as forças tresloucadas do terrorismo

Navegamos num mar invisível sem abrigo
Sem amabilidade nem aconchegos
Apenas a frieza de quem mal governa e orienta
Sobrevivendo-se deste modo onde não há equidade
E os que desorientados nesta masmorra
Não têm voz perante a surdez cínica
Fazem parte do vulcão em erupção 
Em que se tornou a injustiça social 
Sem teto e sem tostão

A época dos rebanhos

Os corações famintos estagnam na carência de afeto
Multidões de negligenciados furam esquemas de sobrevivência
Açambarcados pelo sentimento de desconexão 
Num mundo apavorado pelos enforcados 
Galvanizado pela riqueza dos desenvergonhados 
Perante a fracturação entre néscios verdugos e degolados

Os desprevenidos e pacóvios
Rebolam-se nas danças das informações falsas
Sacode-se o tapete da pobreza real 
Sobre o horror do desemprego e apartamento
Solta-se no ar contaminado a suspeita
E num tango trôpego entra-se em isolamento social

A escola progride na arte do espetáculo político
Feito de enganos e discursos falaciosos
Que matreiros vão saciando a fome de pertença dos trôpegos 
Apaziguando o povo infundindo a busca do propósito 
Mesmo incitando o risco da exclusão dos outros

E o perigo do rebanho tresmalhado
Sucede-se pela astúcia da matilha
Que não quer saber da sustentação do amanhã
Mas que esgaravata e desespera pelo osso carcomido
Dos sem desígnio e sem terra
Empurrados para o absurdo do abismo

Sociedade gelada

Saltarilhamos de plataforma em plataforma
E neste passo de dança cada um cuida de si
Espezinhando os outros de forma vil
Mesmo quando apenas rola na mesa da inquisição
A fruta apodrecida da indiferença pueril

As mercancias progridem no rastilho fugaz das paixões	
Dos descarnados fios condutores das redes sociais
E surgem animados no campo virtual
Os pantomineiros mascarados do gestual

Os coléricos com a vida
Abandonados impotentes à sua sorte
Ocorre-lhes o suicídio fazendo pacto com a morte
Os clãs abundam em cada canto do ecrã 
Apresentam-se simpáticos amáveis
Como quem atrai as moscas com mel
Baloiçam os constrangedores empurrando os alienáveis

Transportam as tribos a bandeira diabólica
Neutra e cinzenta de quem mata ou morre
E na subtileza do deboche apregoam
- Venham meus senhores! Não se acanhem
Em boa hora vos sai a sorte grande
Pois os opositores dormem e relaxam 
Sejam cobiçosos neste estrado quebrado e arrisquem


É hora de angariar mais clientes
Pobrezinhos endividados até à medula
Sufocados pelos invasores da privacidade aos milhões 
Aliciadores de egos enfraquecidos pela sabujice 
Hipócritas bajuladores e fanfarrões
De tudo existe dentro e fora deste palco de mesmice

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