Lucas Grosso
primeira meditação
a historia não vai registrar porque talvez não interesse a ela mas eu vou porque eu faço parte da historia ao mesmo tempo em que não faço tanto assim e não adianta você vir com a sua conversa sobre história oral e costumes da vida privada nem com livros da mary del priore porque os fatos que eu quero registrar não têm muita importância justificam-se muito pouco como história e talvez alguma coisa enquanto literatura mas nesse caso você pode dizer com alguma razão que eu estou meio que plagiando o estilo da marília garcia começo dizendo que tudo começou pelo menos hoje comigo acordando e ouvindo a lauryn hill enquanto faço café na máquina de cafés de cápsula e isso não tem grande importância que fazer café e ouvir hip-hop é algo prosaico do cotidiano eu fiz café enquanto ralava o alho pra por no feijão porque o almoço precisa ser feito sem pressa estamos afinal de quarentena e o mais interessante nisso tudo talvez seja vermos como se constrói o cotidiano durante uma epidemia sem precedentes em que aqueles que não conseguem ou não precisam na verdade trabalhar em campo ficam mais ou menos dependentes de ter algo para fazer durante o dia (...) porque eu não sei se a história vai se interessar por mim por minha rotina pelo que foi minha vida nesse período da doença a mim interessa para que eu lembre que apesar dos pesares de eu não estar conseguindo trabalhar direito de eu não estar com a mulher que queria de eu não ir onde queria de eu não poder visitar minha família de eu não conseguir fazer qualquer ação política eu estou vivo e eu estou tendo de alguma forma uma rotina durante esse período de morte privação e isolamento e de alguma forma eu estou re existindo
nós
porque a gente sabe fazer cena criar o cenário onde acontece uma guerra particular colocar no silêncio do hall do elevador o som de tamancos mesmo quando se está descalço protagonistas de uma série de tv que ninguém assiste nós somos nossos próprios antagonistas nós somos os roteiristas que criam o bordão a gíria mas também o público que assiste passivo e se influencia a gente não tem jeito nossos rostos no espelho nossas roupas nós somos a solução e o defeito da nossa própria vida