F. Scott Fitzgerald
Tradução de Rafael Rocca dos Santos
Se o sr. DeTinc continuasse a sofrer colapsos, tudo ficaria bem. Quando pediu ao departamento de cenário que instalasse uma arma antiaérea em seu bangalô, era como se houvesse chegado a hora, mas o assunto foi abafado e o sr. DeTinc continuou a trilhar o labirinto da produção.
Às vezes, Pat Hobby sonhava em entrar furtivo, sorratear os comprimidos de benzedrina da mesa do sr. DeTinc e os enfiar todos de uma vez na garganta dele. Imaginava o produtor empanturrado de benzedrina, correndo insano em círculos dentro do seu escritório, produzindo e produzindo mais até sofrer um colapso. Então, um longo descanso para DeTinc – o completo esquecimento, uma recuperação lenta, passo a passo, com relapsos diários e frequentes, recaídas, convulsões e comas… e Pat ainda constando na folha de pagamento de um filme que havia sido abandonado há um mês.
“O que está escrevendo?”, perguntaram a Pat no refeitório do estúdio. Ou: “para qual produtor está trabalhando?”
Ele dava duas respostas cautelosas. Ou estava acabando de começar o trabalho e ainda não sabia, ou, ao contrário, havia acabado de terminar um serviço. Entrementes, ficava na moita. Por três vezes na semana ele aparecia no escritório anexo, mostrava-se às secretárias, sentava-se um minuto – mais amiúde que não ao lado do médico de DeTinc, que aguardava, a mala sobre os joelhos. Quando o médico era levado à presença dele, Pat tirava vantagem da pequena comoção para desaparecer. Depois: dois dedos de gim na conveniência do outro lado da rua, e o páreo de Santa Anita para o resto do dia.
Mas os jóqueis estavam muitíssimo corruptos naquele verão, e os duzentos e cinquenta que recebia semanalmente para ficar na moita fluíam rápidos para os bolsos de Louie, o cambista do estúdio. No dia em que Pat conheceu Jim Dasterson na gaiola, ele tinha menos de um dólar em um dos bolsos e 200 ml de gim no outro. Sombrio e de olhos rubros, quedou-se embaixo do céu revelador da Califórnia perscrutando cada um de seus quarenta e nove anos.
“Você está péssimo”, disse Dasterson, simpático. “Achou um trabalho?”
Ofendido, Pat começou por dizer que estava empregado – mas achou melhor não continuar. Dasterson, um colega roteirista de dias melhores, era agora um produtor.
“Você precisa comprar um chapéu novo”, disse Dasterson.
Ele não era um homem afável, mas falava com o brilho de uma aposta acumulada em três cavalos.
“Vou te dar um trabalho num filme”, ele disse. “Já trabalhou na Polônia ou num escritório de advocacia ou num estaleiro?”
“Trabalhei num estaleiro”, Pat disse, “para o Newport News durante a guerra”.
“OK. Você é um especialista em estaleiros. Duas semanas a setenta e cinco, Pat – te interessa?”
Pat fingiu hesitar.
“Posso perguntar ao meu agente”.
“Ele está ali”, Dasterson disse, de repente apontando alguém.
Após se virar para olhar, Dasterson bateu com o joelho abruptamente no traseiro de Pat.
“Seu agente!”, ele disse, desdenhoso. “Não me venha com essa! Nenhum agente sabe lidar contigo. Vá lá no lugar amanhã”.
Pat não era orgulhoso. Aguentava. Aguentava qualquer coisa. Nunca tivera dois empregos ao mesmo tempo, mas, o que se pode fazer?, os jóqueis se vendem e atrasam os cavalos de propósito. No dia seguinte, ele bateu na porta do estúdio de Dasterson e foi encaminhado ao roteirista do filme.
Pat de fato trabalhara em um estaleiro, mas havia sido limitado por sua impressão de que sabotagem se referia a negligenciar o dia de sábado.
“Ah, os soldadores sempre iam à igreja”, ele declarou, “exceto que, na maioria dos domingos, eles iam para os bares, o Sloppy Sam ou o Bad Annie”.
“Olha, vamos fazer assim”, o sr. roteirista do Dasterson disse, rápido. “Não preciso desse negócio ainda – estou trabalhando em uma história de amor. Me deixe seu telefone e eu entro em contato depois”.
Longas tardes ensolaradas no Santa Anita. Garrafinhas gordinhas chacoalhando no bolso de trás. Ele tinha um trabalho? Que perguntassem agora; ele podia balançar a cabeça e sorrir, pois tinha dois. Depois de anos de esquecimento, um veranico de prosperidade finalmente havia chegado. Visitava os dois estúdios em manhãs alternadas, prestando contas um dia no escritório do sr. DeTinc e no outro no do sr. Dasterson. Sabia que, enquanto continuasse a ligar, sempre encontraria os dois homens ocupados – na verdade, quanto mais ele ligava, menos provável era que os visse. E isso teria sido bom não tivesse ligado ao sr. Dasterson no dia em que a parede de seu escritório estava sendo reformada.
Um rosto ficava observando Pat através do gesso quebrado, entre a antessala e o recôndito sagrado. Era um rosto que ele vira antes, mas que não sabia onde.
O rosto passava e repassava a vedação na parede e, a cada vez, olhava curioso para Pat. Havia algo de inquietante nele; estava prestes a se debandar para pastagens mais agradáveis quando a campainha soou na mesa da secretária.
“Sr. Hobby”.
“Sim”.
“Espere um momento, sr. Hobby. O sr. Dasterson quer vê-lo”.
Pat esperou, contorcendo-se um pouco. Novamente viu o rosto se aproximando do gesso quebrado. Dessa vez, no entanto, a pessoa atrás dele levantou um dedo e rasgou um pouco do papel de parede, de forma que eles pudessem se ver melhor.
“Pronto, sr. Hobby”.
Com uma gota ligeira de suor em sua testa, Pat entrou.
Dasterson o recebeu jovial.
“Bem, velho colega… como está o especialista? Contando tudo de estaleiros para o Rohnson?”
Pat olhou rapidamente para trás. Aparentemente, não havia mais ninguém no escritório.
“Senta aí”, Dasterson disse, apontando o sofá. “Conte-me como está indo. Vire o rosto para a direita, sim?”
Novamente, Pat se mexeu, estalando.
“O que é isso?”, ele demandou. “Não estou entendendo”.
“Um pouco mais contra a luz… deu”. Ele levantou a voz. “Tudo pronto, Breine”.
Do lavabo pequeno surgiu o rosto que Pat havia visto através do revestimento, um rosto que ainda não teria identificado se o homem não tivesse andado até uma mesa e colocado uma mala em cima dela. Era o médico do sr. DeTinc.
“É ele?”, Dasterson perguntou, sorrindo.
“Eu acho que sim”, o médico disse. “Sei que já o vi antes e agora creio que sei onde”.
A prisão se assomava, as grades da prisão escancaravam.
[Verão de 1940]