Maitê Alegretti
não se perdeu nenhuma coisa em mim como sempre acompanho as gotículas níveas antes de chover
o mês que vem pode abrir uma janela ou fechar duas brechas
como anteontem recomeço hoje os olhos quase não abrem estou mais velha mais um dia sem no entanto notar
o balanço das árvores por detrás da janela maestoso prenúncio de um dia ainda inaudito
o tempo que leva para acordar sem sobressaltos sem contar os minutos o tempo que leva para acordar rever o seu reflexo gostar dele sem artífices e encontrar as palavras sem balbuciar a meia amarela num pé a outra debaixo da cama o sonho que não foi sonho alguém deixou um recado não lembro lavo o rosto me ouço outra vez penso se não fora este o sonho mais estranho que já tive ou se de fato alguém conversara comigo enquanto dormia o tempo de acordar acontece de formas diferentes o tempo das pernas da barriga da boca e dos olhos a pele é a última a tentar levantar quando já não consegue mais esticar-se é quando acorda
à beira de lembrar a pele dobra-se breve vazante ao esgueirar-se volve quase ausente não recua quando quase recusa à beira de lembrar cinge a vazante diante da vontade noturna
as janelas dos seus olhos vibravam como a poeira acomodada de uma vidraça endurecida
do apartamento da frente alguém movimenta o mecanismo de abrir do basculante o clarão cintila a sua expressão para quem está dentro do box o seu rosto é um mero borrão para você a visão é de um lapso temporal
mesmo se deixássemos de cantar por um ano inteiro o fôlego de cada cristalino ausente não se reacenderia
as cinzas da próxima folia já estão voando pelo ar que se respira são elas pequenas serpentinas a plissar o coração dos amantes