Revista de Cultura

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Poemas de Rabo de pipa

William Turner, "Chuva, vapor e velocidade" (1844)
National Gallery, Londres

Maitê Alegretti

não se perdeu
nenhuma coisa em
mim
como
sempre
acompanho
as gotículas
níveas antes de
chover

o mês que vem
pode abrir uma
janela
ou fechar duas
brechas

como anteontem
recomeço
hoje
os olhos quase não abrem
estou mais velha mais um
dia sem
no
entanto
notar

o balanço das
árvores por detrás
da janela maestoso
prenúncio
de um dia ainda
inaudito

o tempo que leva
para acordar
sem sobressaltos
sem contar os minutos

o tempo que leva
para acordar
rever o seu
reflexo gostar
dele
sem artífices
e encontrar as
palavras sem
balbuciar

a meia amarela
num pé a outra debaixo da cama
o sonho que não foi
sonho alguém deixou
um recado
                                              não lembro

lavo o rosto
me ouço outra vez
penso se não fora este o sonho mais estranho que já
tive ou se de fato alguém conversara comigo
enquanto dormia

o tempo de acordar
acontece de formas diferentes
o tempo das
pernas da barriga
da boca
e dos olhos
a pele é a última a tentar
levantar quando já não consegue mais
esticar-se é
quando
acorda

à beira de
lembrar a pele
dobra-se breve
vazante
ao esgueirar-se
volve
quase
ausente não
recua
quando quase recusa

à beira de
lembrar cinge
a vazante
diante da vontade noturna

as janelas dos seus
olhos vibravam como
a poeira acomodada
de uma vidraça
endurecida

do apartamento da frente
alguém movimenta o
mecanismo de abrir
do basculante

o clarão
cintila a sua
expressão

para quem está dentro do box
o seu rosto é um mero borrão

para você a visão é de
um lapso temporal

mesmo se deixássemos
de cantar por um ano
inteiro o fôlego de cada
cristalino ausente
não se reacenderia

as cinzas
da
próxima
folia
já estão voando
pelo ar
que se respira

são elas
pequenas
serpentinas a plissar
o coração dos
amantes

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