Rudá Ventura
Quatro estações
Quiseras que enxergasse meu caminho
e sentisse no outono as quatro estações;
quiseras que eu tocasse os frutos,
antes mesmo de lançar suas sementes.
Não posso mudar o que vejo,
mas saber o destino é pressentir a estrada...
Se deixas eu olhar a terra
e me dás a clareza dos planos,
também fazes conhecer tal sorte
e os espinhos que escondem os ramos
para que as mãos não temam adiante
e para que minha boca no estio plante
sonhos na relva.
Ruínas de ágora
Há tanta boca
e tanta voz desmedida
nesse silêncio repetido e gritado,
nesse vazio de palavras que ecoam esquecidas,
onde à margem de toda prosa
talvez repouse alguma verdade.
Há tanta boca
e nenhum som profundo;
há tantos dentes devorando os sonhos
e tão ímpio tornou-se o mundo,
que mastigado resta pra nós.
Antigas águas
Há tempos chove a noite inteira
e meu corpo eu levo ao campo
pra banhar em antigas águas.
Verte um rio do firmamento,
chega aos olhos à espreita
e nas lágrimas escorre outro afluente.
Da sorte as águas seguem o curso:
a chuva passa, o corpo repousa
e as gotas não secam.
...Eu vivo abaixo do céu,
mas ainda lembro das estrelas.
Poente
Amor,
quando passar a tarde,
encosta teu coração no ocaso
pra que o fio de luz, que é semente,
plante minha alma em tua noite
e assim, unidos ao firmamento,
nasçamos juntos em outra aurora.