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Poemas de Preamar

Edvard Munch, "Noite estrelada" (1893)
The J. Paul Getty Museum (Los Angeles, EUA)

Rudá Ventura

Quatro estações

Quiseras que enxergasse meu caminho
e sentisse no outono as quatro estações;
quiseras que eu tocasse os frutos,
antes mesmo de lançar suas sementes.

Não posso mudar o que vejo,
mas saber o destino é pressentir a estrada...

Se deixas eu olhar a terra
e me dás a clareza dos planos,
também fazes conhecer tal sorte
e os espinhos que escondem os ramos

para que as mãos não temam adiante
e para que minha boca no estio plante
sonhos na relva.

Ruínas de ágora

Há tanta boca
e tanta voz desmedida
nesse silêncio repetido e gritado,

nesse vazio de palavras que ecoam esquecidas,
onde à margem de toda prosa
talvez repouse alguma verdade.

Há tanta boca
e nenhum som profundo;
há tantos dentes devorando os sonhos
e tão ímpio tornou-se o mundo,
que mastigado resta pra nós.

Antigas águas

Há tempos chove a noite inteira
e meu corpo eu levo ao campo
pra banhar em antigas águas.

Verte um rio do firmamento,
chega aos olhos à espreita
e nas lágrimas escorre outro afluente.

Da sorte as águas seguem o curso:
a chuva passa, o corpo repousa
e as gotas não secam.

...Eu vivo abaixo do céu,
mas ainda lembro das estrelas.

Poente

Amor,
quando passar a tarde,
encosta teu coração no ocaso
pra que o fio de luz, que é semente,
plante minha alma em tua noite
e assim, unidos ao firmamento,
nasçamos juntos em outra aurora.

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