Lilian Dias
As coisas, porém, não se revelaram tão simples assim. Como tudo era novidade e espanto, Mariana fazia muito pouco uso da máquina fotográfica, sem contar que tinha vergonha de tirar fotos das pessoas. O pior de tudo foi descobrir que retratos não ajudam a reconhecer pessoas quando falta a memória. O congelar de um instante não corresponde ao conjunto dinâmico de uma pessoa viva. Era mais eficaz tentar fixar um detalhe que chamasse atenção em cada pessoa, fosse uma forma de gesticular, a cor de um batom, ou um tom de voz que tivesse alguma peculiaridade que Mariana pudesse guardar. Quanto aos diários do passado e do futuro, não tinha ânimo para escrever, especialmente o do passado. O relato do dia anterior, que lia quando acordava, causava-lhe grande constrangimento, pois, novamente, sem a memória, tudo se afigurava terrivelmente enfadonho e sem sentido. Preferia viver sem aquilo. A dúvida sobre o sentido da existência passou a habitar seus pensamentos de forma quase permanente. Mas as novidades de cada dia a mantinham alerta, distraída e curiosa.
No entanto, sem o futuro, as coisas se complicavam bastante. Mariana descobriu, afinal, que era até possível viver o presente desprovido de passado – essa era a sua realidade, afinal –, mas jamais desprovido de futuro. Era o futuro que dizia a Mariana quem ela era, não o passado, ao contrário do que os médicos pensavam. Uma vez anotada, sua rotina para os dias seguintes se transformava num roteiro que ela seguia sem percalços, personagem segura e consciente dos diversos tablados da sua existência.