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Uma entrevista com o sr. Fitzgerald, por F. Scott Fitzgerald

O jovem F. Scott Fitzgerald em 1929.
Foto de Nickolas Muray.

F. Scott Fitzgerald

Tradução de Pedro Rocha Souza

Em 1920, o autor estadunidense fez a sua estreia como romancista ao publicar Este lado do paraíso, sucesso imediato, e o início do processo que o firmaria como o autor por excelência da “Era do Jazz”. Em 1920, no mesmo ano, Scott Fitzgerald escreveu, talvez para simples divertimento, talvez porque detestasse como saíam as entrevistas que concedia, uma “entrevista” em que ele mesmo é o entrevistador e o entrevistado. Texto curto, leve e algo cômico, nele o autor estadunidense dá a conhecer algumas de suas opiniões a respeito do mundo das letras, desde a posição do autor perante a literatura, e faz breves comentários a respeito de estilo. Apesar de ter sido escrito no começo da carreira do autor, é um texto que vale a leitura e que já soa como um “clássico Fitzgerald”: jovial, brilhante, ousado e, para os padrões de uma entrevista, bastante informal.


Com a distinta intenção de pegar o sr. Fitzgerald de surpresa, subi ao vigésimo primeiro andar do Biltmore e bati na porta da maneira a mais serviçal possível. Ao entrar, minha primeira impressão foi confusa: uma espécie de confusão típica dos bazares. Um jovem estava de pé no centro da sala e virava-se distraído, ora para um dos lados da sala, ora para o outro.

“Estou atrás do meu chapéu”, disse ele enfadado. “Como é que vai? Entre, e sente-se na cama”.

O autor de Este lado do Paraíso é sólido, de ombros largos e apenas um pouco acima da altura média. Tem cabelos loiros levemente ondulados e atentos olhos verdes — uma mistura algo nórdica —; ademais, é bem apessoado, o que me desconcertou, já que esperava um nariz fino e um par de óculos.

Houve preliminares — mas eu as omitirei. Foram elas a busca por certas coisas: cigarros, uma gravata azul pontilhada de branco e um cinzeiro. Mas ele estava obviamente desejando conversar e, parecendo bastante receptivo às minhas perguntas, logo partimos para as suas ideias literárias.

“Quanto tempo levou para que escrevesse seu livro?”, comecei.

“Para escrevê-lo, três meses; para concebê-lo, três minutos. Para coligir os assuntos dele, minha vida inteira. A ideia de escrevê-lo me ocorreu no primeiro dia do último mês de julho. E foi uma forma de substituir a dispersão”.

“Quais são os seus planos agora?”

Ele respirou fundo e deu de ombros.

“Eu me surpreenderia se soubesse. O escopo, a profundidade e o tamanho dos meus escritos estão nas mãos dos deuses. Se o conhecimento nos chega naturalmente, através do interesse, como Shaw aprendeu em sua política econômica ou como Wells devorou a ciência moderna — ora, a coisa será bem fácil. No estudo em si mesmo — isto é, em “tudo ler” de um assunto —, eu não nutro fé alguma em trabalhar como uma formiga. O conhecimento deve gritar para ser conhecido — e gritar que somente eu possa conhecê-lo, e então eu mergulharei nele para me satisfazer, como mergulhei em muitas coisas”.

“Por favor, seja franco”.

“Bem, você sabe se houver lido o meu livro. Eu mergulhei nos vários mares do egocentrismo adolescente. Mas o que quero dizer é que grandes temas nunca me fisgaram — bem, quero apenas dizer que eu não fui talhado para eles. Essa luta consciente para encontrar grandeza lá fora, para substituir a grandeza de um tema pela grandeza de percepção, para criar uma magnum opus objetiva como o The Ring and the Book1 — bem, essa é a antítese das minhas intenções literárias”.

“Outra coisa”, ele continuou. “Minha ideia é sempre atingir a minha geração. O escritor sagaz, assim penso, escreve para a juventude de sua própria geração, para os críticos da próxima e para os doutores de todas as seguintes. Tendo por certa a habilidade de melhorar aquilo que ele imita através do estilo, de escolher por meio de sua própria interpretação dentre as experiências que o circundam aquilo que constitui o seu material, assim nós atingimos a fineza do gênio”.

“Você espera fazer parte — estar — bem, participar da grande tradição literária?”, perguntei, tímido.

Ele se animou. Sorriu radiante. Logo vi que tinha uma resposta para isso. “Não há grande tradição literária”, ele lançou. “Há apenas a tradição da morte de cada uma das tradições literárias. O sábio filho literário dá cabo de seu próprio pai”.

Depois disso, começou a falar entusiasmadamente sobre estilo.

“Por estilo, digo cor”, disse. “Quero poder fazer qualquer coisa com as palavras: ser capaz de descrições perspicazes, flamejantes como Wells, usar o paradoxo com a claridade de um Samuel Butler, ter a extensão de um Bernard Shaw e a sagacidade de um Oscar Wilde. Quero poder descrever aqueles céus extensos e ardentes de Conrad, aqueles pôres do sol banhados a ouro e os céus qual colchas de retalhos de Hichens e Kipling, bem como as manhãs pastéis e os crepúsculos de Chesterton. Tudo isso serve de exemplo. Na verdade, sou um professo ladrão literário, bem afiado segundo os melhores métodos de todos os escritores da minha geração”.

A entrevista terminou por aí. Quatro jovens de rostos filisteus e gravatas conservadoras apareceram e, olhando uns para os outros, trocaram piscadelas. O sr. Fitzgerald então hesitou e pareceu desconcertado.

“A maior parte dos meus amigos são — são como estes”, ele me sussurrou enquanto me conduzia à porta. “Não me importo com essa gente da literatura — elas me deixam nervoso”.

E não é que essa foi uma bela duma entrevista!


1 The Ring and the Book é um poema narrativo-dramático de Robert Browning, poeta e dramaturgo inglês. Publicado entre 1868 e 1869, em quatro volumes, contém mais de 21.000 versos.

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