Revista de Cultura

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Dia de ser forte

Edgar Degas, "Dois homens" (ca. 1865-69)
The Metropolitan Museum of Art, Nova York

Diego Alencar

Hoje era o primeiro dia de ser forte. Até configurei o despertador a fim de não perder a hora.

Porém, quando acordei: cadê a coragem? Eu tinha certeza de que a havia deixado pendurada na cadeira, pronta para vestir, mas, pelo jeito, havia esquecido até mesmo de procurá-la. Ainda me empenhei numa busca, talvez estivesse jogada em qualquer outro canto, mas não tive sucesso, nem mesmo no cesto de peças para lavar.

Resolvi ir só com a segurança mesmo. Não era a cor adequada, de um tecido bem mais fino, mas seria melhor que nada. Porém, ao tirá-la do cabide, senti o ardente cheiro de guardada, aquele odor pesado, e já entendi que não daria para usar sem que ficasse, pelo menos, uns dois dias no sol, pois estava claro que rapidamente atacaria a minha rinite. Ser forte espirrando sem parar não ia dar certo.

Sem coragem já seria difícil, sem segurança seria bem mais complicado, afinal para um primeiro dia se faz necessário usá-la por baixo, ou pelo menos levá-la na mochila, já que, a depender da caminhada, não consigo usar a coragem por muito tempo por causa do calor.

É preciso dizer de um agravante: há pouco tempo fiz uma limpa no guarda-roupas e descartei muita coisa a fim de ir renovando, mesmo que fosse aos poucos. Era um bom começo. Mas o “aos poucos” não ocorreu. Tive de lidar com o arrependimento de não ter sido mais usurável. Embora nada do que fora descartado tivesse lá qualquer proveito, uma ou outra coisa, talvez até pelo costume, teria sido útil.

Uma autoestima, por exemplo, é uma ótima coringa, tanto na aparência como adereço, quanto na utilidade em caso de queda de temperatura. A única que eu tinha mandei embora junto com a trapagem, por estar muito desfiada e batida. Certo é que, mesmo nesse estado, a autoestima serviria ao menos para disfarçar, caso a exigência do traje fosse algo mais discreto, como aquele constrangimento de bolsos largos ou aquela frustração que uso desde que tinha oito anos e que, por algum motivo, ainda me serve.

Ou se tivesse guardada aquela justificativa que me caía muito bem, de ótimo corte, e que apenas tinha perdidos dois botões pelo uso excessivo. Até cheguei usá-la aberta, sem os dois botões, com um objetivo listrado por baixo. Funcionava muito bem nos dias de sol. Usei muito. Depois passei muito sem usá-la. Pensei que não me faria falta alguma: ou a subestimei ou superestimei a minha situação.

Lembro também de uma gratidão com a qual eu ia para tudo o que é lugar. Bastava estar limpa e seca para ser vestida. Isso a desgastou rapidamente e a deixou com um péssimo aspecto: além de estar com inúmeras manchas esbranquiçadas, a estampa estava quase totalmente descascada. Mas devo confessar que eu me sentia muito bem em todo canto aonde eu ia com ela. Me dava uma certa autenticidade, um ar underground de quem está levando a vida com muita tranquilidade e que, apesar das crises de ansiedade e das paralisias medonhas, nutre alguma esperança e está de coração aberto. Hoje, para o primeiro dia de ser forte, não tendo achado a coragem e com a segurança claramente mofada, teria funcionado muito bem.

Sem ter muita escolha, e já muito atrasado para começar, lancei mão da única coisa que estava efetivamente disponível: uma motivação, muito antiga, que ganhara aos dezesseis anos mas que nunca usara pelo mais claro motivo de que era uma numeração muito acima da que eu vestia. Ao vê-la, hoje, ainda intacta, me pareceu que seria, pelas circunstâncias e pelo passar do tempo, o momento de estreá-la.

Às pressas, puxei da gaveta e me encaixei: primeiro a cabeça, depois os braços. A princípio me veio um entusiasmo por ter conseguido entrar naquele formato. No entanto, ao consultar o espelho para fazer uns últimos ajustes no corpo, ou simplesmente aceitar a circunstância, percebi que, apesar de nova, aquela motivação parecia ter sido cerzida de muitos retalhos, bem semelhantes, mas unidos por pontos de linhas muito finas, já enfraquecidas pelo tempo. Fora remendada tantas vezes que perdera a cor e a forma. Já não servia mais para nada. Me perguntei por que ainda a guardava. Lembrei que havia sido presente. Não daria para tentar ser forte vestindo algo tão frágil.

Seria o primeiro dia.

Perdi a oportunidade.

Amanhã eu acordo mais cedo.

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