O cinema norte-americano

Monsieur Verdeux (1947)
Gabriel García Márquez
Tradução de Rafael Rocca dos Santos

O velho esporte dos magnatas de Hollywood, o de arranjar brigas, surgiu inesperadamente, outra vez, com a carga de profundidade que há alguns dias Charlie Chaplin jogou nos marqueteiros do cinema norte-americano. Os críticos – parte essencial desse campo de concentração cinematográfico – não hesitaram em se voltar contra ele e dizer que, quando o criador do grande Carlitos afirma que os EUA não deram nenhuma contribuição valiosa à sétima arte, somente deixam escapar algumas libras de ressentimento pelo tratamento – tão ruim quanto inútil – que esses mesmos críticos deram à sua atuação em Monsieur Verdoux. Quaisquer que sejam as causas da sua atitude, Chaplin pôs o dedo na ferida. E o fez com uma força maior do que se pôde suspeitar porque, quando aquela gente faz um barulho como tal é porque a mira do franco-atirador não errou. O pior de tudo é que não é necessário ser um Chaplin para descobrir um fracasso, protuberante tal como o do cinema norte-americano. Basta saber que cada vez que os ingleses produzem um novo filme, os endinheirados de Hollywood têm de recorrer a um especialista que normalize a pressão arterial destes. Tudo porque não quiseram se convencer de que, se tivessem aproveitado esse capital volumoso que investiram para mostrar tanta tragédia doméstica em produzir desenhos animados, a arte teria tido com eles pelo menos uma dívida de gratidão. Mas o caso é que os produtores dos EUA não somente resolveram fazer sucessos de bilheteria, mas também que, com isso, poram a perder o bom gosto de um bom setor do público que, a longo prazo, teria se acostumado ao cinema superior para não ficar sem espetáculos. Se, a princípio, se houvesse prescindido desse arsenal de procedimentos espalhafatosos, de tempestades em copo d’água, a grande massa popular de hoje faria delirar a arquibancada diante de Orson Welles, e arrebentaria a sala de cinema diante de um palhaço ridículo como Frankenstein. Pode ser que Chaplin tenha ficado ressentido pela crítica feita a Monsieur Verdoux, mas isso não quer dizer que não sejam corretas as suas afirmações.


Publicado pela primeira vez no jornal El Universal, em Cartagena, em setembro de 1948.

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