Luiz Eduardo de Carvalho
É tão bom redescobrir entendimentos óbvios. Conferir-lhes mais vigor em nosso intelecto e, assim, ressignificá-los nas voltas da espiral do conhecimento, torná-los mais nítidos, mais íntimos, como se, girando no inestancável vórtice rumo ao centro de nossas convicções, a cada volta na roda aumentasse a compreensão, ficassem mais claros, ainda que mais difícil de explicar. Um insight repotencializado!
Foi com essa sensação que encerrei a leitura do livro Novo endereço, obra aclamada do poeta Fabio Weintraub, vencedora do Prêmio Casa de las Américas de 2003, para a qual a editora Patuá preparou uma edição especial com o fito de comemorar os vinte anos de seu lançamento.
Falo, antes, um pouco acerca desta terceira edição de 2022, que sucede as de 2002 e 2004, para, tão somente a seguir, revelar minha redescoberta, que é, tanto para quem lê este depauperado comentário, quanto para quem lê o riquíssimo Novo endereço, menos importante do que a poesia vigorosa que Fabio Weintraub nos traz nesse segundo título publicado em sua carreira literária, a qual, para além de algumas publicações de plaquetes e das muitas participações em antologias, já nos presenteou com os títulos Sistema de erros (Arte Pau-Brasil, 1996), Baque (Editora 34, 2007), Treme ainda (Editora 34, 2015), Falso trajeto (Patuá, 2016) e Quadro de força (Patuá, 2019), obra a partir da qual eu, distraído e desinformado do que há de bom no cenário da literatura brasileira contemporânea, finalmente conheci uma fração da poesia do laureado autor, começando pelo fim! Foi, contudo, tanto o tardio arrebatamento desse primeiro contato que lhe escrevi uma crônica-resenha-carta que selecionei para publicar em meu livro Crônicas do ofício (Cajuína, 2022). Volto, agora, à mesma qualidade de pasmo e encantamento.
A edição comemorativa mantém o prefácio original de Priscila Figueiredo e acrescenta um outro, escrito por Eduardo Sterzi, além de um posfácio de Gustavo Silveira Ribeiro, que ajudam a compor a vasta fortuna crítica da obra que traz quarenta e três poemas de profunda e sensível reflexão a respeito da entropia social. Textos que perpassam temas preponderantemente relacionados aos excluídos e humilhados, à violência, às crenças disseminadas pela democracia burguesa, às psicoses, às desumanidades, aos moribundos, às ruínas, tratados com solidariedade e sensível ternura. Tudo isso visto sob uma perspectiva de temporalidade sem tempo demarcado, como em instantâneos tirados da cidade e de seus habitantes, que empresta à lírica de Fabio Weintraub um certo tom de crônica eternizada que poderia vir desde antes e que permanece atual e pungente, pois tudo ainda correspondente à realidade nacional, mesmo depois de decorridas mais de duas décadas desde seu registro.
Gostaria de ter a destreza intelectual e o conhecimento acadêmico que me propiciassem a capacidade de expressar em termos de crítica literária o que me assombrou em Novo endereço, pois sei que é algo intrinsecamente ligado à linguagem e ao seu engajamento e transcendência em relação à tradição moderna de fazer poesia. Desprovido de tais ferramentas, rendo-me, porém, ao que ia dizendo na abertura desta resenha impressionista, que pouco acrescenta senão a tal redescoberta que delineou com muito mais clareza algo que talvez eu já soubesse, mas que ainda não via com tamanha simplicidade e objetividade: a imagem poética está menos no que vê a retina do que no que o poeta a põe em tinta!
Como explicar? Não saberia com minhas palavras, mas tudo fica tão claro depois da leitura de Novo endereço, do qual peço licença ao Fabio para reproduzir um único poema capaz de explicar, por si só, essa obviedade que, melhor do que por meio de minha incapacidade analítica, evidentemente se revela nos esconderijos de sua excelente poesia:
Ferro-velho Há dentes caídos no chão e outros sinais de intestina guerra: molas manivelas ponteiros no extravio rolimãs sem sombra de giro ou afã Em câimbras a balança não responde ao mais leve inquérito Cofres pedem falência por falta de segredo O ócio atreve gangrenas sobre avulsas engrenagens Tudo se esbarra num difícil armistício Mas o tempo alenta a luta sem termo ou cicatriz Postiça a paz não pensa os cortes nem estanca a longa hemorragia das ferrugens