Revista de Cultura

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Tecendo o fio de uma grande história

Imagem de um guia para emigração ao Brasil (1932)
Library of Congress, EUA

Leonardo Almeida Filho

O que mais nos surpreende nas histórias de Luiz Eduardo de Carvalho é sua versatilidade; sua coragem em abordar com grande talento temas difíceis, polêmicos; sua ousadia de enfrentar universos diegéticos muito distantes de sua realidade imediata, como podemos constatar em seus grandes e premiados textos como Sessenta e seis elos, Xadrez, Quadrilha, Cabra cega e, agora, esse surpreendente monumento ficcional que é Bicho-da-seda (Litteralux, 2024).

Salta aos olhos o tremendo trabalho de pesquisa que consumiu o autor para construir uma pequena parte da história trágica e bela da imigração japonesa durante a grande guerra. Nas figuras da jovem Emi Watanabe e de seu irmão Takeshi, descendentes de uma linhagem nobre de produtores de seda, o autor vai tecendo, como fora ele próprio um bicho da seda, uma história surpreendente de determinação e coragem. Fugindo de um país arrasado, poucas horas antes da explosão da bomba em Hiroshima, um grupo de jovens japoneses se submete a toda sorte de abuso por parte de piratas, espécie de coiotes orientais, que os transporta pelo Pacífico até o Chile e, por terra, até o Brasil, passando por Argentina e Paraguai, numa odisseia sem heróis, deparando-se com uma realidade assustadora, clandestinos nazistas na América do Sul, trabalho escravo, tráfico humano, contrabando. Impressiona a representação realista dessa odisseia, com todas as suas tremendas injustiças e crueldades.

O romance, ao adotar o processo de produção da seda, ao representá-lo com minúcia (o que demonstra sua grande capacidade de pesquisa para o tratamento literário), estabelece uma feliz alegoria da própria existência. Poucas lagartas voam, a maior parte delas sucumbe, nos diz Emi em certa parte do livro. E não é justamente o que acontece com todos nós e que acontecerá com os personagens dessa história?

O romance acompanha a saga de três mulheres num mundo de barbárie e crueldade masculina: Emi, Sueda e Yoko. Hirota, uma sobrevivente do inferno de Okinawa, torna-se o anjo protetor que, aos poucos, mostrar-se-á monstruoso. Não há espaço para personagens redondos, para perfis róseos e confortáveis.

Para Luiz Eduardo de Carvalho, a vida é sempre um desconforto que precisa ser enfrentado. A complexidade psicológica de cada um dos seres ficcionais de Bicho-da-seda é um dos pontos altos da narrativa. Luiz Eduardo mergulha sem receio, e sem qualquer julgamento, nas nuances de cada um de seus personagens, suas fobias, medos, taras, desejos. Por trás da maciez e da beleza da seda, um mundo de asperezas e pequenas tragédias vai compondo o painel dessa grande história. Trata-se de um excelente romance, sem sombra de dúvidas, o que ratifica o autor como um dos grandes criadores contemporâneos brasileiros.

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