Laura Redfern Navarro
O homem não foi feito para ser feliz (Mondru, 2025) é o romance de estreia do médico nuclear residente em Fortaleza Maurício Mendes. A obra conta com prefácio e orelha do escritor e tradutor Santiago Nazarian e blurb de Natércia Pontes, autora cearense, e da escritora e crítica literária Evelyn Blaut, diretora do Centro Cultural Astrolabio, plataforma digital de cursos e oficinas de escrita criativa. Além disso, o livro traz ilustrações de Jeferson Barbosa.
O livro acompanha a jornada de Germano, um médico racializado que começa a atender como plantonista em uma cidade distante da capital Fortaleza. Logo de cara, é surpreendido por uma paciente pouco agradável que lhe faz um comentário racista – e cuja consulta mais parece uma tentativa de conversa. Germano, polido, age de maneira profissional, porém avessa à postura da jovem. Poucas horas depois, ela é encontrada morta dentro do hospital, com óbito classificado como “suicídio”.
São situações complexas como essa que passam a fazer parte do cotidiano de Germano, que também tem de lidar com a falta de estrutura do hospital, que não faz, por exemplo, a manutenção de medicamentos. Trata-se de uma história frustrante de início de carreira narrada a partir de muitos acontecimentos agridoces e sensíveis, o que leva o personagem a apresentar uma visão cética e pouco esperançosa. Para além disso, o jovem médico tem de lidar com a morte do pai, cujo luto é vivenciado também pela via da apatia.
A apatia, ao longo de toda a história de O homem não foi feito para ser feliz, denuncia os efeitos que a masculinidade tóxica e compulsória têm sobre os homens, particularmente os mais jovens, ao exigir uma necessidade constante de superação emocional, o que é fortalecido, ainda, pelo racismo, tanto o direto quanto o estrutural, que Germano com frequência experimenta. Nesse sentido, além de sentir que precisa agir como se nada o abalasse, ele também precisa provar, a todo momento, o lugar que ocupa como médico.
Por detrás dessa face cética, o personagem é, na verdade, um homem ressentido e angustiado, que age de forma misógina com as mulheres. Germano sai com frequência com garotas de programa, estabelecendo um vínculo que é mais de consumo do que de conexão com o gênero oposto. Entretanto, as relações ocupam um lugar que é, ao mesmo tempo, de exploração do corpo alheio e de expressão da própria vulnerabilidade, o que fica explícito no primeiro parágrafo do capítulo 3: “procurava jovens branquinhas que cobrissem o rosto, com uma vida paralela a esconder, de meia ou baixa estatura, que não fossem bombadas de academia, com fotos mais sensuais e menos explícitas” (p. 65).
Aqui, se nota que a descrição de seu “tipo” não parte de características físicas (como a cor dos olhos ou o formato do busto), mas de algo mais subjetivo, como a necessidade de se esconder. As prostitutas com quem se envolve dialogam com Germano no que diz respeito ao desconforto com a vida que levam, sendo também um espelho à discriminação que sofre em decorrência da própria raça.
Desse modo, seus encontros com garotas de programa tecem o seu desejo pela troca afetiva, ao mesmo tempo em que ele sabota, objetifica e é desrespeitoso com essas mulheres. A masculinidade tóxica, portanto, sempre reforça o papel predatório que Germano desempenha; ao mesmo tempo, é com as prostitutas que ele se sente visto, ouvido e desejado, algo que não ocorre em sua vida prática, na qual é uma vítima constante do racismo e das dores do luto pelo pai.
O protagonista de O homem não foi feito para ser feliz é, ele mesmo, um personagem que vive uma vida dupla, atravessada pelas exigências do masculino. Em sua vida cotidiana, Germano é um médico dessensibilizado; em sua vida íntima, é viciado em prostitutas. Ou seja, de um lado há a apatia travestida de força; de outro, a brutalidade como desabafo.
Esses aspectos são reforçados, ainda, pela maneira fragmentada com que Maurício escreve a história, cujo foco é o fluxo de consciência de Germano diante do que vive; assim, o leitor consegue compreender o seu modo de pensar e agir de forma íntima e que levanta criticidade, visto que ela questiona a lógica social por trás de seu modus operandi.
Além disso, a escolha de tratar a narrativa em primeira pessoa atribui ao personagem uma posição que ele demonstra não possuir em sua vida (em nenhuma de suas facetas) – o protagonismo e a autonomia para pensar e agir. Logo, temos um relato fundado na masculinidade vigente, mas que expressa seus desdobramentos e sua complexidade.
O homem não foi feito para ser feliz é um romance que trata precisamente do debate urgente de questões de gênero e raça nos nossos tempos, sendo inovador ao levantar, ainda, a imbricação entre as duas instâncias.