Tradução de Ivanes Freitas
Emilio Oribe (1893-1975) foi um poeta, ensaísta e filósofo uruguaio. Seu estilo vanguardista teve influência do ultraísmo espanhol.
O grito
1 - Foi lá em Melo, cidade de casas coloniais, em meio à pânica planície interminável, e perto do Brasil. Gozava então a grande revelação da natureza na amplidão de bravia meninice e no caudal do júbilo divino. Sim. Lá em Melo, cidade com casas de avoengo espanhol, com grandes pátios em cujo centro os algibes se abrem, circulares e sonoros. Eu era menino e soía gritar junto à borda de algum algibe, com temor, inclinando-me, até ver minha imagem flutuar em uma água de espelhos, para, assim, escutar, maravilhado, a primitiva música dos ecos. A cada grito, fidelidade surpreendente!, o eco, melodioso e misterioso, respondia desde a água, desde a penumbra, talvez, dizia eu, ainda mais longe... Quantas incompreensíveis harmonias e presságios no arcano daquelas músicas diáfanas e fiéis! 2 - Hoje, eu aprendi que escondo, no espírito, cisternas que respondem aos meus gritos supremos, com ecos, já gigantes, já confusos, ou melodiosos, nos puros limites. E sou feliz, bem mais que nos dias da infância, ao ouvir, cheio de ansiedade, que responde claro o eco do abismo interior ao grito que não posso reprimir, e que escapa, gigante, dos meus lábios! Incomparável êxtase, resposta que ultrapassa a carne, cujo segredo não adivinho e cuja fidelidade não vislumbro! Hei de viver assim, ouvindo-me, extasiado com o clamor de meus íntimos abismos, e talvez descubra, desse modo, em mim, a solução dos enigmas eternos. Mas... Hoje penso que talvez possa esgotar-se esse obediente cântico da alma... Meu Deus, será possível? E, no entanto, amanhã, em elevando o verdadeiro e irremediável grito, decisivo e fatal, responderá a música dos ecos?
El Halconero Astral y otros Cantos, 1919.
Enigma do criado
O tecido dos fatos não revela seu segredo, jamais. Ninguém é capaz de descerrar os véus, um enigma sucede a outro enigma, uma onda a outra onda no tempo, um espelho a outro espelho. Quando se acha aclaradas as coisas, uma lenta sombra torna a pousar no visto. E, assim, a mão move e move uma nuvem que não cessa. Conhecemos o gosto do vinho, a glória do canto, o relâmpago do gozo imediato, e o cortejo dessas imagens que pela nossa memória sobem, e são umas jovens escravas que, piedosas, penduram as lamparinas nas paredes de um templo de sombras. Mas o tecido dos fatos não revela nunca o seu segredo, e, ainda que a criança e o velho se orgulhem de conhecer e possuir a flor e o fruto e a tumba que tocam, para o sábio e para o poeta, estes dons familiares nunca deixarão de ser fatigantes enigmas!
El Canto del Cuadrante, 1938.