Laura Redfern Navarro
Nada parece real
E ao mesmo tempo nada é falso o suficiente...
Pedro Minet
No repente eu não me quero mais
E de repente eu só quero mais
Lourandes
A juventude é um tema inesgotável e que pode ser abordado sob uma diversidade também inesgotável de vieses. Em um mundo globalizado e dominado pela tecnologia como o que vivemos hoje, esse momento de vida passa a ser atravessado pelo desejo pela fama, que passa a permear não só espaços cuja possibilidade de alcançar é limitada (caso, por exemplo, de grandes emissoras de televisão) como também a vida cotidiana.
A percepção do sucesso na atualidade está intrinsecamente ligada ao alcance nas redes sociais e na internet, alimentando uma visão ambígua que envolve tanto a facilidade quanto o enclausuramento. Se, por um lado, torna-se mais fácil para uma pessoa comum construir um público e uma identidade virtual, por outro, o alter ego virtual vira um escape da vida cotidiana.
Entre trabalhos recentes que destacam essa discussão, penso em Superstar (Patuá, 2025), livro de contos do escritor carioca Pedro Minet, e o EP Eu não quero ser uma pessoa boa (2023), da cantora mineira Lourandes. Ambas as obras, embora com propostas diferentes, levantam provocações interessantes ao desejo e percepção da fama dentro da lógica da contemporaneidade.
Superstar desdobra-se principalmente em torno da afetividade e da sexualidade com personagens homoafetivos. Esse recorte, além de definir o tom da obra, revela também as camadas de opressões (micro e diretas) enfrentadas pelos protagonistas. Em muitos casos, a fama é desenrolada a partir de relacionamentos de jovens com homens mais velhos, quase sempre em posições de autoridade – como artistas e sugar daddies – o que levanta a dúvida cruel entre o desejo e a exploração.
O EP de Lourandes, por sua vez, traz um eu-lírico cuja proposição é bem clara: ela quer ser famosa custe o que custar – o que se revela, na verdade, como algo destrutivo, que só expõe seus defeitos. Isso se observa a partir do nome das músicas “Abandono”, “Arrogância”, “Inveja”, “Orgulho” e “Superficialidade”, cuja ordem também foi pensada de forma narrativa. Outro aspecto relevante é a musicalidade, que mescla batidas eletrônicas sombrias e vocais melancólicos, características próprias do gênero dark pop, que reforça o tom de contradição, ironia e vulnerabilidade.
Essas obras se aproximam porque mostram nitidamente o esgotamento e o lado sombrio da fama e do sucesso. Tanto em Superstar quanto em Eu não quero ser uma pessoa boa, somos apresentados ao desconforto e ao sentimento de vazio que acompanha os personagens. Em ambos os casos, há um desejo motor de ser visto e de ser lembrado, mas isso só acontece por meio da dor, da fragilidade e daquilo que, convencionalmente, tentamos esconder.
Minet, em Superstar, não se preocupa em enfatizar cenários e situações luxuosas, mas a sua decadência e o seu incômodo. Com o foco na perspectiva e no fluxo de consciência, as narrativas oscilam entre aquilo que poderia ser documentado em um story ou post do Instagram e o desconforto da carência e da opressão, como se vê em um trecho do conto “Quando conheci o Nicolau”:
Eu sempre quis criar algo parecido com as coisas que outras pessoas criaram e que eu amo, que… Significam mais do que qualquer coisa no mundo pra mim. Mas toda vez que tento fico muito ansioso como se tivesse algo me impedindo, como se o Universo não quisesse que eu fizesse Nada além do que normalmente faço… Nada… Só Continuar vivendo a vida por… Viver, totalmente passivo, andando de um lado pro outro enquanto as pessoas que me veem que… Falam o tempo todo sem parar que me mostram repetem criam coisas baseadas no que elas sentem toda vez que olham pra mim Pra sempre mudo, mas muito visível… Talvez pra algumas pessoas animais acidentes mártires as coisas tenham
que ser assim…
Pelo menos enquanto jogava Sorry e…
Outra coisa ou outra, às vezes,
me diverti…
Haha (p. 65)
São meninos que, a todo custo, querem fabricar uma realidade para si, mas que nunca alcançam o que buscam. São sempre “só mais um na fila do pão”. Como quem tira uma foto, recebe mil curtidas, mas no fundo sente o amargo de saber que aquilo é tudo filtro.
Em Eu não quero ser uma pessoa boa, a personagem busca o significado da fama quando ela vem junto do adoecimento psicológico. Egocêntrica, manipuladora, fracassada no amor e entregue a uma vida de vícios, ela fala de um lugar em que a fama é falha e repleta de defeitos, como a inveja e a superficialidade. Podemos dizer que se trata de uma pessoa famosa que se desmascara, ou, como ela própria diz: “Eu criei uma música horrível, horrível / Mas eu finalmente / Posso falar / Sobre como eu me sinto / Sobre como eu me sinto”
Desse modo, se os personagens de Minet sofrem por serem “gente comum” e desejam, ainda que por vias questionáveis, ascender, Lourandes expõe os sentimentos de “gente comum” enquanto uma artista famosa.
Em suma, trata-se de perspectivas que se complementam ao oferecerem as contradições dos diferentes em que a fama pode ser observada nos dias de hoje, elencando discussões-chave relacionadas a gênero, sexualidade e saúde mental.
Para mais sobre Pedro Minet, veja O método Minet na Littera 7!