Anna Kroiss
O cinema japonês tem destaque de grandeza dada a profundidade de detalhes que explora e a beleza com que se apresenta. Duas divisões dentro da história da sétima arte do país são particularmente relevantes: o Gendai-geki e o Jidaigeki – no primeiro, concentram-se os dramas contemporâneos e suas problemáticas, o dia a dia – já no Jidaigeki, são abordados fatos históricos com elementos reais do passado, e é desse último que podemos colher um subgênero ainda mais brilhante: o Chanbara: filmes que trazem às telas os samurais como protagonistas.
O Chanbara foi visto a primeira vez na década de 1920 – os filmes que deram início ao gênero buscavam exaltar o teor heroico e a honestidade desses guerreiros. Com o passar dos anos, novos diretores ousaram em produzir filmes que mantinham a temática samurai, mas agora tratando de uma maneira diferente a atmosfera já esgotada dos filmes anteriores. Eles desejavam passar para o público outras impressões para além da honra, tais como as falhas de caráter, seus vícios e a forma como lidavam com os interesses pessoais. O herói já não era tão justo assim.
O Chanbara se utilizou de inúmeros elementos da tradição japonesa em suas produções, desde formas de atuação, com expressões faciais dos atores que faziam referências ao teatro Kabuki (uma menção a categoria Jidai-mono, as peças teatrais que tratavam do cotidiano também relacionadas aos samurais), até a forma como eram filmadas as lutas com espada e os planos de fundo das cenas – estes por vezes pareciam propositalmente retirados de uma gravura Ukiyo-e. No cinema, diferente dos palcos, um olhar, de bondade ou de maldade, pode ser diferenciado pelo telespectador; todos os detalhes são minimamente percebidos – desde a forma como o chá é tomado até em como a espada é retirada da bainha. Num close de câmera sabemos as intenções que o personagem quer passar. Akira Kurosawa e Masaki Kobayashi são mundialmente conhecidos por suas produções dentro e fora do Chanbara, mas exaltemos aqui especialmente como suas direções foram brilhantes dentro do gênero.
Noutras produções encontramos histórias que representam o período Edo, época em que o Japão passou por um fechamento quase que total de relações com o mundo exterior sob o comando do xogunato Tokugawa. Esses filmes abordam problemas internos muito particulares do país. Um dos comumente retratados é o drama do desemprego que os samurais sofreram justamente por conta desse período de paz com tal reclusão; seus heróis não tinham mais batalhas para protagonizar.
O Zankoku Jidaigeki é um sub-subgênero do Chanbara. Retrata a vida mais íntima dos samurais e possui tom de pessimismo, solidão e vazio, como visto em Onze samurais.
A comparação do Chanbara com os filmes do gênero Western americano é comum e tem propósito de ser, ora pelas relações de Akira Kurosawa com o cineasta Sergio Leoni, ora pelas temáticas em comum, tais como as disputas de território, homens fora da lei e anti-heróis de caráteres duvidosos adorados pelo público. Sabe aquele sangue jorrando que vemos nos filmes do Tarantino? O próprio diretor já confessou obter inspiração nas cenas de luta dos Chanbaras – tais momentos podem ser vistos em diversas dessas produções japonesas, como no clássico Sanjuro.
Dois reais acontecimentos históricos do Japão são muito abordados nestas obras: a batalha dos 47 ronins, a história sobre os samurais que lutaram para vingar o injusto assassinato de seu senhor, retratado nos filmes A queda do castelo Ako e A vingança dos 47 ronins, e o Incidente Sakuradamon, fato real que marcou o assassinato do ministro-chefe do Japão, retratado neste caso em Samurai assassino.
Também uma influência literária gerou duas produções no cinema japonês, Espada da maldição e Espada diabólica. Ambos baseados em uma história em folhetim de 1913 publicada em 41 séries, a trama falava sobre um samurai perturbado por intenções malignas.
Por fim, depois de assistir a tantos filmes do gênero, de diferentes décadas e/ou diretores, é possível concluir um ponto crucial sobre a história da tradição no país: tais homens, esses heróis samurais dos Chanbaras, ainda que verdadeiramente honestos e honrados, carregados de boas intenções, não representam a casta catalizadora de poder. É clara a mensagem de que um homem só é mesmo poderoso dada a sua origem e classe social. Esses filmes reforçam a ideia de que essa é uma barreira instransponível até para os mais valentes.
Para fechar, uma curiosidade: o nome título desse gênero, Chanbara, é nada mais nada menos devido ao som que as espadas produzem quando se encontram.
Deixo aqui algumas indicações de filmes do gênero (além dos já citados no texto) e uma promessa: todos eles valem cada minuto assistido.
– Humanidade e balões de papel (1937)
– Os sete samurais (1954)
– Fortaleza escondida (1958)
– Yojimbo (1961)
– Sanjuro (1962)
– Três samurais fora da lei (1964)
– A espada do mal (1965)
– 11 samurais (1966)
– Rebelião (1967)
– Os sete rebeldes (1968)
– Hitokiri: o castigo (1969)
– Depois da chuva (1999)
– 13 assassinos (2010)