Alfred Hitchcock’s Psycho

Fernando Figueiredo

Nos créditos iniciais de Psicose (1960), quando se ouve a primeira nota aguda da música-tema composta por Bernard Herrmann, ainda em tela preta, linhas horizontais surgem alternadamente da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, enquanto o letreiro “Alfred Hitchcock’s Psycho” se escreve na moldura. Em seguida, linhas verticais, repetindo o padrão coreográfico, continuam a compor o design criado por Saul Bass, acompanhando o restante dos créditos. O filme inicia com imagens aéreas de Phoenix, Arizona, mostrando uma cidade de contrastes arquitetônicos, com casas e edifícios de tamanhos e formas variadas. Essa escolha antecipa o método formal e a composição estética que Hitchcock apresentará mais a frente: um jogo visual de olhares, simetrias e contrapontos. Esses contrastes podem ser observados na casa vertical de Norman Bates (Anthony Perkins) e na horizontalidade do Bates Motel; na cena do segundo assassinato, filmado com uma trucagem de retroprojeção, em que o plano geral da escada se opõe ao close-up no rosto de Arbogast (Martin Balsam); ou ainda na montagem das formas circulares após Marion Crane (Janet Leigh) cair sem vida na banheira – o molde no chuveiro, o ralo, os olhos de Marion e o movimento rotativo da câmera.

Na sequência de abertura, a câmera atravessa a janela de um hotel barato, invadindo a privacidade de Marion e seu amante Sam (John Gavin). O aparato cinematográfico, atuando como um agente narrativo voyeurístico prenuncia uma transgressão do espaço físico, que vai se desdobrar, em outra cena, no olhar de Norman através do buraco da parede, e culminar, posteriormente, na máxima violação corporal: o assassinato de Marion.

A cena de intimidade do casal transforma rapidamente o desejo erótico do espectador em um sentimento de terror e insegurança. Hitchcock manipula as reações do público com um tipo de prazer estético calculado, construído ao longo dos primeiros trinta minutos de filme. O diretor vai deixando pistas, intensificando aos poucos a sensação de tensão, por meio da jornada emocional de Marion – ela pratica o primeiro crime do filme ao roubar 40 mil dólares e fugir -, preparando o terreno para o clímax da cena do chuveiro, onde o espectador é convidado a se tornam ele mesmo um voyeur (e cúmplice) do assassinato totalmente inesperado que está prestes a acontecer.

Na cena que precede a morte da protagonista, Norman e Marion conversam na saleta dos pássaros empalhados. A relação entre os personagens é estabelecida pela troca de olhares e, mais significativamente, pela mudança de ponto de vista da câmera, que sinaliza a sutil transição do protagonismo de Marion para Norman. Após uma longa conversa, filmada basicamente em planos e contraplanos (com algumas movimentações gestuais e mudanças de enquadramentos), Marion se levanta e se dirige até a porta de saída. Norman faz o mesmo: ele se levanta e se posiciona no centro do quadro. No plano seguinte, a câmera assume o ponto de vista de Norman, que observa a mulher partir.

A mudança de direcionamento do olhar é reafirmada na cena posterior em que Norman remove um quadro da parede para espiar Marion. Trata-se da pintura Susana e os velhos, de Frans van Mieris, datada de 1898. A história de Susana, narrada no capítulo 13 do Livro de Daniel, conta como ela se recusou a ceder aos desejos sexuais de dois velhos juízes e foi salva da condenação à morte por falso testemunho graças à intervenção de Daniel. “Nós estamos desejando você. Concorde conosco, vamos manter relações. Se não concordar, nós acusamos você, dizendo que um rapaz estava aqui com você e que por isso você mandou as empregadas saírem”, relata o texto bíblico. Notemos, então, que tanto Susana quanto Marion Crane são vítimas de uma violência iminente.

A icônica cena do chuveiro, filmada ao longo de sete dias, é composta por 78 ângulos e 52 cortes, e possui 45 segundos de duração. A trilha sonora de Bernard Herrmann não só intensifica a brutalidade da encenação, mas também atua como um elemento narrativo independente. Marion é atacada em seu momento de maior vulnerabilidade – completamente desprotegida e nua -, revelando a fragilidade humana diante do mal. Hitchcock compõe um mosaico de planos rápidos e cortes abruptos, combinando diferentes ângulos e close-ups para criar uma sensação de choque e urgência por meio de uma montagem quase eisensteiniana.

Vamos nos lembrar da relação plástica entre horizontalidade e verticalidade que Hitchcock estabelece desde os créditos iniciais. A cena do chuveiro, em particular, pode ser vista como um bloco vertical isolado dentro do todo. Se considerarmos “montagem horizontal” como a sequência linear e ordenada de imagens e ações, típica da narrativa clássica, a “montagem vertical”, segundo as teorias de Eisenstein, é a composição de um conceito a partir da colisão entre planos independentes. Essa colisão gera uma ideia intelectual ou, no caso de Psicose, uma unidade emocional. Assim, a montagem, que inicialmente segue uma estrutura horizontal, transforma-se em vertical durante o assassinato de Marion, para logo depois reestabelecer a normalidade narrativa com cenas mais longas e cadenciadas.

A morte prematura de Marion subverte e rompe com as convenções clássicas do gênero. Hitchcock introduz o elemento da surpresa ao guiar o público por meio de um suspense cuidadosamente pré-construído: “na forma originária do suspense, é indispensável que o público esteja perfeitamente informado dos elementos presentes. Do contrário, não há suspense”, disse o cineasta a Truffaut em sua conhecida entrevista.

No interior do claustrofóbico box do banheiro, qualquer violência explícita é ocultada – a faca nunca é mostrada penetrando o corpo da vítima. Ainda assim, é nesse espaço que surgem dois dos planos mais belos e palpáveis do filme: a mão que agarra a cortina e, em seguida, os ganchos se rompem com o peso da morte.

Ao oferecer uma explicação racional para a psicopatia de Norman Bates, o mestre do suspense entrega um final lógico que contrasta com a intensidade emocional da experiência fílmica, criando uma obra que desafia as expectativas do público. Em Psicose, Hitchcock demonstra um domínio absoluto da linguagem cinematográfica, elevando o suspense a um nível de pureza e beleza. Uma obra-prima atemporal!

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