Djalma Augusto
O homem é um ser que sempre busca sentido, mesmo no meio do caos. Podemos perder tudo — dinheiro, status, segurança — mas o que realmente importa é aquilo que carregamos dentro de nós: a nossa capacidade de encontrar um propósito em cada desafio que a vida nos lança.
Albert Camus, O mito de Sísifo (1942)
Em 1949, o escritor e filósofo Albert Camus (1913-1960) embarcou em um navio em direção ao Brasil para que pudesse não só conhecer o país, mas também cumprir uma oculta agenda acadêmica. Sua saída do litoral francês em direção a cidade do Rio de Janeiro foi monótona, árdua, um verdadeiro suplício e encontrava-se em um caos em si mesmo, consequência da turbulência que o mundo vivia em meados do século XX pós-Segunda Guerra Mundial. Chegou a pensar por duas vezes em cometer suicídio, pensando seriamente em pular do navio. A sua melancolia o sufocava e sua saúde se encontrava nada boa, apresentando febre e deixando-o de cama.
As noites de sono não eram nada tranquilas devido ao mal-estar, mas não foi assim durante toda a viagem. Optou em algumas ocasiões em ler na sua cabine, escrever e nas refeições teve a oportunidade de conhecer brasileiros e franceses. Alguns eram interessantes, outros nem tanto, observações quase monossilábicas de um homem absorto. Foi recebido no Rio pelo modernista Oswald de Andrade e conversaram sobre o movimento antropofágico em 1922 na cidade de São Paulo, despertando curiosidade no escritor e filósofo franco-argelino. Conheceu diversos intelectuais na Cidade Maravilhosa, entre eles Murilo Mendes e Manuel Bandeira. Assim como Camus, Bandeira sofria de tuberculose. A sua passagem pelo Brasil efetuou-se entre junho e agosto daquele ano e pôde conhecer o Rio, Salvador, Recife, Olinda, Iguape no litoral paulista e Porto Alegre, e claro, a já cidade da pauliceia desvairada. Albert Camus visitou também Buenos Aires, Montevidéu e Santiago do Chile.
A agenda social o deixava cansado e irritado e só mostrou estímulo na cidade de Iguape, despertando nele o desejo de escrever, sem citar a sua Argélia ou a França, uma nova crônica “A pedra que cresce”. Em Iguape, durante a estadia de Camus e Oswald de Andrade, houve uma procissão de uma imagem de Nossa Senhora e, segundo a crença popular, a imagem estava no fundo de um rio e subiu para a superfície após o crescimento de uma pedra, lembrando sensivelmente o livro O mito de Sísifo, publicado durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “A pedra que cresce”, escrita em 1949, não seria um apêndice do O mito de Sísifo?
Os seus registros foram publicados em 2019, Camus, o viajante: antologia dos textos de Albert Camus sobre o Brasil (Record). Sócrates praticou a maiêutica e o seu pilar era a ética, corrompida por homens vistos como sábios das coisas que não sabiam, não muito diferente no século XX e nesse primeiro quartel do século XXI. O niilismo de Sócrates o obrigou a cometer o suicídio e a ideia de suicídio de Camus era um meio de eliminar o seu sofrimento, mas felizmente usou a escrita como válvula de escape até virar uma das obras mais importantes de Camus e da literatura no século XX, O homem revoltado.
Albert Camus resistiu às ideologias, motivo mais do que suficiente para Jean-Paul Sartre ter rompido a amizade com ele em 1951. Stalinismo, nazismo, imperialismo e a Guerra Fria (1945-1989) o deixaram revoltado. A revolta era contra movimentos ideológicos, e a única revolução que almejava era o humanismo. A barbárie que se iniciou em 1914 na Primeira Guerra Mundial, segundo Oswald de Andrade, após ter lido O homem revoltado, presente do amigo Camus em 1951, corrobora um mundo de extremidades, segundo o historiador Eric Hobsbawn no “breve” século XX: o moderno e “civilizado” versus a barbárie que tomou praticamente todo o século passado, independente do encerramento da Guerra Fria.
Cada um segure a sua pedra; a pedra que cresce seguindo na direção de cada um de nós. Todos tentam conter de alguma forma a pedra para não sermos esmagados pelo sistema ou nos sentirmos na pior metamorfose kafkiana. Quem nunca se sentiu um Sísifo é a própria vontade de potência pensada por Nietzsche, ou seja, um verdadeiro super-homem blindado não por ser de aço, mas sim tomado por uma metafísica plural e laica.