Rino Levi
Rino Levi foi um dos maiores arquitetos da modernidade brasileira. Entre suas obras estão o Cine-Art Palácio (Recife, 1936), Teatro Cultura Artística (São Paulo, 1942), o Hospital do Câncer (São Paulo, 1947), a Casa de Olivo Gomes (São José dos Campos, 1949-51) e o Hospital Israelita Albert Einstein (São Paulo, 1958). Inspirado pelo canal São Paulo nas Alturas, de Raul Juste Lores, reproduzimos aqui o importante texto de Rino Levi sobre a necessidade de uma nova arquitetura, publicado n’O Estado de São Paulo em 15 de outubro de 1925.
É digno de nota o movimento que se manifesta hoje nas artes e principalmente na arquitetura. Tudo faz crer que uma era nova está para surgir, se já não está encaminhada.
A arquitetura, como arte mãe, é a que mais se ressente dos influxos modernos devido aos novos materiais à disposição do artista, aos grandes progressos conseguidos nesses últimos anos na técnica da construção e sobretudo ao novo espírito que reina em contraposição ao classicism, frio e insípido. Portanto praticidade e economia, arquitetura de volumes, linhas simples, poucos elementos decorativos, mas sinceros e bem em destaque, nada de mascarar a estrutura do edifício para conseguir efeitos que no mais das vezes são desproporcionados ao fim, e que constituem sempre uma coisa falsa e artificial.
Sente-se ainda a influência do classicismo que, aliás, hoje se estuda melhor procurando sentir e interpretar o seu espírito evitando-se a imitação, já bastante desfrutada, dos seus elementos.
As velhas formas e os velhos sistemas já fizeram sua época. É mister que o artista crie alguma coisa de novo e que consiga maior fusão entre o que é estrutura e o que é decoração: para conseguir isto o artista deve ser também técnico: uma somente inventiva e não mais o trabalho combinado do artista que projeta e do técnico que executa.
Não há arte onde não há o artista, mas o jovem, nos anos em que se forma e adquire uma personalidade, deve ser posto ao contato das necessidades modernas para que se eduque ao espírito do seu tempo e possam constituir uma alma sensível e correspondente ao gosto dos seus contemporâneos.
Toda obra de arte deve ser ambientada, isto é, deve ser vista sob uma determinada luz, sob uma determinada [sic] visual e deve estar em harmonia com os objetos que a contornam. Um monumento concebido para uma pequena praça e com uma orientação prefixada perde muito do seu efeito se não é colocado no ponto no qual o via o artista com seu pensamento quando o projetava. Fixada esta ideia é evidente que as construções, que com mau sistema, hoje, se projetam sem preocupação alguma da sua orientação e da sua adaptação ao lugar, constituem uma ofensa à estética das cidades.
A estética das cidades é um novo estudo necessário ao arquiteto e a este estudo está estritamente conexo o estudo da viação e todos os demais problemas urbanos.
Uma rua que nasce deve ser estudada no plano regulador da cidade e deve ser planejada de modo que corresponda a todas as necessidades técnicas e estéticas sem, ao mesmo tempo, prejudicar as belezas que eventualmente existam nas suas vizinhanças.
Por exemplo, se é possível dar a uma rua, como fundo, um monumento, uma cúpula ou simplesmente um jardim, por que não fazê-lo se a estética da rua ganharia com esta visual e se o monumento, a cúpula ou o jardim terão a ganhar no seu efeito?
As ruas paralelas e perpendiculares, como são projetadas quase sempre hoje nas cidades novas, na maior parte das vezes resultam monótonas e nem sempre correspondem às necessidades práticas. Sobre este assunto não se pode estabelecer uma teoria; discute-se muito principalmente na França e na Alemanha mas até hoje a ideia predominante é que é preciso examinar e resolver caso por caso.
Na Alemanha a estes estudos foi dado o nome de política da cidade; na França alguns dos mais valentes arquitetos dedicam-se completamente a este novo ramo da arte da cidade; na nova Escola Superior de Arquitetura de Roma há uma cátedra de “Edelizia” [sic] regida pelo distinto arquiteto Marcello Placentini, uma das autoridades mais competentes da Itália sobre este assunto.
É um problema este que interessa muito o Brasil onde as cidades estão em pleno desenvolvimento e portanto merece a máxima consideração.
É preciso estudar o que se fez e o que se está fazendo no exterior e resolver os nossos casos sobre estética da cidade com alma brasileira. Pelo nosso clima, pela nossa natureza e nossos costumes as nossas cidades devem ter um caráter diferente das da Europa.
Creio que a nossa florescente vegetação e todas as nossas inigualáveis belezas naturais podem e devem sugerir aos nossos artistas alguma coisa de original dando às nossas cidades uma graça de vivacidade e de cores única no mundo.