Matheus Guménin Barreto
Aquilo que me sou não me é nunca. Pensando o que serei no escasso espaço de mim, não sei se penso e sou aquilo ou se, pensando, passa o tempo e passo – se passo e já não sou o que pensara, nem o que penso agora e que já passa. Não sei se algum momento embosco aquele que busco ou se descubro-me sua caça.
Cuiabá
Perder a cidade na campina inexata da memória. Perder a cidade, os gestos de tios, os doces das avós, a gritaria dos miúdos perder, perder o cumprimento do vizinho no mercado, perder uma cidade e com ela uma infância, a juventude, a vida adulta. Perder um lugar que perde em si outros lugares, perder o calor brando de um quarto azul, perder uma cidade em cada um que parte, em cada um que, em parte, mata quando morre. Perder inapelavelmente uma cidade, mas pisá-la.
Tempo
Aquilo que possuo e me possui, e que, se cerco, ergue cercos outros em torno aos muros fracos, muros poucos, que ergui; aquilo que constrói e rui meu corpo; que já traz numa só mão meu corpo e aquela morte que é a sua (se cada corpo nasce já com uma), meu corpo e aqueles beijos que serão os seus (se morre sempre sem dar todos); aquilo, ainda, que me tira tudo e tudo dá a mim; o que procuro, mas que me encontra sempre e eu não encontro. Aquilo, enfim, que dá-me o amor de um homem de pau em riste – e nos apaga os nomes.
Domingo de praia
Praia de Naufragados Para Caio Augusto Leite, Luiza Melo e Marcelo Labes
(O sol, ele afia o limpo do dia na água do mar). Os olhos forçando passagem na lâmi- na clara do dia (escuros os ócu- los), dedos crispando protegem os olhos, agarram-se à noite que há muito escapou. Debaixo do dia há o fresco de um tempo (famílias no ôni- bus, óculos, cremes, cachorros que dormem no colo da moça, uns risos, uns gritos cheirando a domingo, o ronco do ôni- bus, outro da velha que dorme no fundo, a rádio que toca ninguém sabe donde), debaixo do dia há o fresco de um tempo que, nem já memória, promete-se e esgarça, promete-se e escapa do olho que o vê (juventude à sombra, juventude azul). A tarde adiante ainda nem vinda já morre esbatida no muro do cais. (Mas, morta a promessa, a noite a refaz).