Revista de Cultura

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Três líricas (poemas) de Victor Hugo Geraldino

Caspar David Friedrich, "Costa ao luar" (1835-36), Hamburger Kunsthalle.

Victor Hugo Geraldino

Terceto à Lua:

Crava tuas faíscas sobre a terra: 
Nos montes sobrevém teu vestido 
De graves e alvos voejos tecido. 

Cintila teus laureis sobre os picos
Das lãs, serras e árvores altivas 
Tornando pálida a noite e viva.

Teu semblante nas águas volita
E caminha junto às ternas ondas
No mistério da noite erudita. 

De celeste prata és tua feição 
Planando na brisa do espaço
- Reinando no céu da solidão. 

Não morrerás com a noite, Lua! 
Quando rebentar a nova aurora
Tu levantar-se-á na minha alma.

01/03/2023


Aos poetas

Tudo para ti muda-se em poesia 
Desde a loucura à razão formosa; 
Desde vil gemido a elevados cantos 
Das aves na luz matinal e airosa. 

Na tempestade de chuva e tristeza
A rociar a alma de rasgo num dia
Torna-te a redigir como perdido;
Torna-te a compor, ébrio, poesia...

Quando virá nosso recanto eterno,
E nosso descanso na alcova infinda? 
Gozamos! O inverno não é eterno! 

Receberemos o laurel que finda 
Nosso gemido na noite escondida, 
Nosso malgrado na sina perdida!

01/03/2023


Elegia da despedida

(Àquela que não posso nomear)

Tu brotaste em mim, flor no deserto, 
Como um lírico canto a ressoar
No toldar da noite solitária, 
E no chorar das almas perdidas. 
Na cintilante aurora vigorosa 
Tua voz consumaste a estrela d'alva
Com tua marcha de formosura. 
Tua mão enlaçada à minha
Orvalhou minha pobre poesia.
 E, ó Musa de vestido inexato 
- Meu alento no perdido alvorecer -, 
Sinto teus passos silenciosos,
Mansos de bruma solene,
A vagar no meu coração. 
Sinto tua voz cândida e calma 
A sobressair como sinfonia triste
Nos meus abstrusos ouvidos. 
Quem foste tu? Quem és tu?
Tu és os sonhos delirantes
Dos meus olhos doentes.
Musa, tua perpétua despedida 
Foi um maremoto eversivo
Sobre meu vago espírito de poeta. 
Sou o aflito batel no porto d'alma; 
Meu coração é um relógio pendido
Contando as horas da morte. 
Mas ainda vejo tua pálida face
Nas horas silenciosas do tédio insonte
Como espectro venturoso, 
Ainda que persistas na despedida. 
Minha dama negra, te digo, ainda 
Que na fúria não me ouças: 
Tu és minha poesia carnal, 
E na minha memória saudosa
Tu és, ausente, minha dama real,
- À qual nunca direi adeus.

09/03/2023

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